quarta-feira, 19 de novembro de 2008

LITERATURA E ARTE NO HORIZONTE DA PÓS-MODERNIDADE

Robério Pereira Barreto*

Este ensaio busca sintetizar os principais pensamentos sobre a produção literária e artística na atualidade. Porém, antes de adentrar na discussão do fazer artístico-literário que usa os fundamentos da pós-modernidade como elemento estético: forma e conteúdo, fazem-se importante apresentar ao interlocutor, alguns conceitos e, também, opiniões que exploram este tema a partir da semiótica e ciências sociais. Para isso, tal questão está baziladas nos estudos de Eagleton (1998); Harvey (2000); Connor (1996) e outros que apontam em seus estudos os horizontes que a arte no contemporâneo deve tomar. Por isso, concebe que essa estética vai da revolução à transgressão dos padrões clássicos de arte e literatura.
Na verdade, o que se pretende nessa discussão é uma tentativa de apresentar ao leitor o quanto as artes têm criado e até discutido conceitos que, às vezes, vão de encontro com idéias moralizantes, incutidos na sociedade como verdades artísticas até então. Com efeito, tempo e espaço diluíram suas fronteiras e, portanto, para entender melhor esses conceitos que determinam “as práticas de linguagem” no cotidiano da crítica literária, são fundamentais ouvir-se o que diz Eagleton sobre pós-modernidade.

Pós-modernidade é uma linha de pensamento que questiona as noções clássicas de verdade, razão, identidade e objetividade, a idéia de progresso ou emancipação universal, os sistemas únicos, as grandes narrativas ou os fundamentos definitivos de explicação. [...] vê o mundo como contigente, gratuito, diverso, instável, imprevisível, um conjunto de culturas ou interpretações desunificadas gerando um certo grau de ceticismo em relação às indiossincrasias e a coerência de identidades. [...] o mundo efêmero e descentralizado da tecnologia, do consumismo e da indústria cultural, no qual as industrias de serviços, finanças e informação triunfam sobre a produção tradicional, e política clássica de classes cede terreno a uma série difusa de “políticas de identidade” (EAGLETON, 1998, p.07).


De acordo as palavras do crítico americano, a pós-modernidade é, pois, uma forma de pensamento que faz alusões aos discursos do contemporâneo para retratar as crises de tradição. Nesse contexto fica premente a necessidade de trazer à tona o pós-modernismo, como estilo cultural em que se inaugura o uso da linguagem nas narrativas no contemporâneo e que mostram a efemeridade da vida nos grandes centros urbanos. Validamente, ouve-se de novo Eagleton:


Pós-modernismo é um estilo de cultura que reflete um pouco essa mudança memorável por meio de uma arte superficial, descentrada, infundada, auto-reflexiva, divertida, caudatária, eclética e populista, que obscurece as fronteiras ente cultura “elitista” e a cultura “popular”, bem como entre arte e a experiência cotidiana. O quão dominante ou disseminada se mostra essa cultura – se tem acolhimento geral ou constitui apenas um campo restrito da vida contemporânea... (EAGLETON, 1998, p. 07).

Essas formulações acerca da conceituação de pós-modernidade e pós-modernismo reivindicam uma acentuada compreensão de que arte e literatura são instrumentos para a construção de um visual ontológico da sociedade e de suas contradições históricas e culturais. Nessa linha de raciocínio, Connor (1996) discorrendo sobre a posição da ficção e artes no contemporâneo, pondera que


uma ficção pós-moderna, que parece rejeitar a hierarquia, a conclusão narrativa, o desejo de representar o mundo e a autoridade do autor, oferecia a perfeita contraparte de uma critica que enfatizava cada vez mais, de maneira positiva ou negativa, a impossibilidade da representação ou a liberdade de irrestringível do leitor. (CONNOR, 1996, p. 14).


Seguindo a lógica conceitual do pós-modernismo, Connor recorre às metáforas de Charles Newman para afirmar que a obra de arte no contemporâneo tem caráter obscuro. Daí se infere que a cultura e a comunicação artístico-literário na atualidade são representacionais. Assim, Newman chama a atenção para tal estética e, assegurando que, “[...] linguagem crítica e a literária renunciaram deliberadamente a toda relação com um valor de uso confiável e acumulam obscuridade sobre obscuridade em intermináveis espirais de autovalidaçaõ.” (NEWMAN, 1995 apud CONNOR 1996, p. 15).
Dessa maneira, os estudos artístico-literários que objetivam a dissecação dos elementos estruturais, estéticos e significativos da ficção contemporânea, na qual se têm declaradamente a ironia, a tensão da linguagem e a crise de consciência dos sujeitos como objetos de inspiração criativa. É, portanto, aquilo que Connor assevera ser a essência dessa literatura que, na verdade, é a materialidade da linguagem, visto que a ironia e a desconstrução constituem a ficção pós-moderna. Ainda para o estudioso, isso leva à percepção de que a literariedade da narrativa pós-moderna, especialmente, o conto que segundo suas palavras:


[...] estava na intensa capacidade da obra literária de servir de mediadora às qualidades da sua forma e de atrair a atenção sobre esta. [...] a obra de criação literária já não pode ser representada como a humilde subjugação da vontade à tarefa de retratar o mundo nem como conformidade a um corpo de preceitos estéticos; ver o pós-modernismo na literatura como uma quebra ou ruptura; mas, para muitos, a transformação ou avanço pós-moderno pode ser vista como uma intensificação seletiva de certas tendências presentes no próprio modernismo (CONNOR, 1996, pp. 90-92).


Essa observação, envolve valores sociais e, também os princípios da cultura de massa que passaram a ter seus caracteres representados artisticamente pelas metáforas do pós-modernismo. Estes aspectos indicam que descentralização e ironia emanam da obra de criação literária, visto que a lenda do poeta Orpheus se cristaliza a partir da narrativa.
Nesse caso, o conto torna-se um discurso que apresenta os meios pelos quais se compreende a desarticulação deliberada das tradições da literatura pelas gerações de escritores pós-1990, e traz em sua essência dramática o silêncio. Embora tal princípio narrativo siga os passos de Orfeu e continue cantar as crises do cotidiano, mesmo tendo “uma lira sem cordas”.
A esse respeito vê-se que acerca das conotações que o silêncio adquiri na narrativa de ficção pós-moderna, estão as perspectivas da desconstrução dos sentidos clássicos da ficção, as quais, são vistas por Connor assim:


O silêncio tem mais conotações do que a simples ausência de enunciações; a literatura modernista faz a representação teatral de um silêncio “complexo”, que abrange inúmeros sentidos, da recusa à subversão; assim, podemos ver o princípio do silêncio na alienação da razão, sociedade, da natureza e da história, no repúdio e na exploração do êxtase, do transe e de outros estados extremos de sentimento, na concentração da consciência sobre si mesmo, bem como na intensa consciência do apocalipse; o começo da “vontade de desestrutura” modernista nas obras do Marques de Sade, em que “ dialética da transgressão é levada ao infinito”, porque “ o verdadeiro espírito do eu sadiano é a negação priápica e contínua; escritores pós-modernos são igualmente caracterizados pela complexa interação entre desestruturação e recriação heróica; a desintegração “é uma dor que obriga o silêncio a ser fala e a fala a voltar ao silêncio”; “dois sotaques do silêncio”, um negativo, “autodestrutivo, demoníaco, niilista”, outro positivo, “autotranscendente, sacramental e plenário.” (CONNOR, 1996, p. 93).


A narrativa de ficção e as artes pós-modernas gozam de tal espontaneidade porque usam elementos discursivos paradoxais. Portanto, tais ficções se apóiam no cotidiano, porque priorizam temáticas que levam ao inconsciente coletivo flash de realidade. Com efeito, os aspectos formais desse estilo de fazer arte e literatura são baseados em questões como: intertextualidade, androgenia, ironia e esquizofrenia. Estas, na verdade, são consciência estéticas que conduzem à produção pós-moderna em suas contradições.
Em todo esse processo é possível localizar, embora superficialmente os argumentos de Bakhtin, os quais versam a respeito da pluralidade de formas e planos estéticos que formatam a linguagem dos textos narrativos. Portanto, a ficção pós-moderna é para MChale: “um entrelaçamento carnavalesco de estilos, vozes e registros que alegadamente rompe a decorosa hierarquia de gêneros literários”. (CONNOR, 1996, p. 106).


O colapso dos horizontes temporais e a preocupação com a instantaneidade surgiram em parte em decorrência da ênfase contemporânea no campo da produção cultural em eventos, espetáculos, happenings e imagens de mídia. Os produtores culturais aprenderam a explorar e usar novas tecnologias, a mídia, em última análise, as possibilidades multimídia. O efeito, no entanto, é o de reenfatizar e até celebrar as qualidades transitórias da vida moderna. (...) o movimento pós-moderno: o seu relacionamento com a cultura da vida diária e a sua integração nela. (HARVEY, 2000, pp.61-2).


Nas palavras do crítico cultural, há sem dúvida, a crítica à qualidade artística dessas produções. Embora, elas nasçam de um movimento no qual a arte passou a ser objeto de mercantilização, sendo que tal estética é reforçada pela crise dos sujeitos e seus ambientes decadentes. Por isso, a crítica tem sido rígida, quando os observadores são, ou melhor, estão renitentes às mudanças que sofre a arte a partir das alterações promovidas pela sociedade e os meios culturais.
Nesse contexto, torna-se pertinente uma questão. Afinal, ainda há espaço para as grandes narrativas, cujos temas e valores estéticos seguem os princípios clássicos de criação? Não tendo intenção de responder agora este inquérito, espero que ao longo da discussão se evidenciem os argumentos necessários para tal elucidação.
Segundo Harvey (2000), o pós-modernismo pode ser entendido como uma fissura que dá indicativo de rompimento radical a qualquer movimento brusco com o modernismo. Até porque tal estilo informa que a arte, especialmente a literatura, que tem poder revolucionário, isto é, tem em seu bojo a apresentação de sentimentos sociais, no qual o cotidiano é exposto à luz de projetos que vislumbram a liberdade individual. Com efeito, Harvey diz que:


o pós-modernismo tem um potencial revolucionário em virtude de sua oposição a todas as formas de metanarrativa (incluindo o marxismo, o freudismo e todas as modalidades de razão iluminista) e da sua estreita atenção a “outros mundos” e “outras vozes” que há muito estavam silenciados ( mulheres, gays, negros, povos colonizados com sua história própria). (HARVEY, 2000, pp.47).


Dessa maneira, as narrativas de caráter pós-moderno, especialmente o conto, têm uma estrutura narrativa que, segundo Lyotard é um labirinto, ou seja, nelas há jogos de linguagem nos quais os significados ganham amplitude interpretativa. Eis, portanto, uma das características que as inserem no estilo pós-modernista. Por isso, Harvey auxilia mais uma vez citando Foucault: “desenvolver a ação, o pensamento e os desejos através da proliferação, da justaposição e da disjunção e a proferir o que é positivo e múltiplo, a diferença à uniformidade, os fluxos às unidades, os arranjos móveis aos sistemas. (FOUCAULT, 1983: xiii apud HARVEY, 2000, pp.49).
Diante disso, a literatura pós-moderna tem sido objeto de polêmicas daqueles que se mantêm resistentes às novas criações narrativas. No entanto, os autores mostram–se alheios às assertivas da crítica institucional, até porque, a maioria não apresenta interesse em ter seu nome no cânone literário nacional, pois suas produções se voltam para a estética da desconstrução. Assim, Derrida entende que isso resulta em “quebrar a continuidade ou linearidade do discurso, e leva necessariamente a uma dupla leitura: a do fragmento percebido com relação ao seu texto de origem; a do fragmento incorporado a um novo todo, a uma totalidade distinta.
De acordo com Perrone-Moisés (1998) para que tais narrativas possam ter a “permanência dos grandes nomes do cânone ocidental, no campo da edição e da difusão, deve-se a múltiplos fatores; um desses fatores foi o empenho dos escritores-críticos modernos em mantê-los presentes nos debates literários, e em comunicá-los aos mais jovens” (PERRONE-MOISÉS, 1998, pp. 174-75). Com efeito, no cânone nacional temos escritores críticos que se mostram, de certo modo, adeptos da estética pós-moderna tais como: Afonso Romano de Sant’Anna, Ferreira Gullar, Dalton Trevisan, Nelson de Oliveira, Lucinda Persona e Joça Reiners.
Esta questão ganha simetria a partir da idéia de que na sociedade de leitores apressados e de vida pós-moderna é preciso que se produza uma literatura que venha ao encontro de tais necessidades, visto que os leitores, no pós-modernismo não têm “tempo” para fazer leitura de textos cujas temáticas e tiradas filosóficas, sociológicas e moralizantes são demasiado longas. Ao contrário, eles facilmente aderem às poéticas de recortes e colagens de produções já canonizadas, vivenciando assim uma literatura intertextualizada.
Sobre essa questão Derrida relata que nesta perspectiva a linguagem, especialmente, aquela que é empregada como estética pós-modenista tem possibilitado a explicação da esquizofrenia que faz parte da vida do homem na atualidade. “A nossa sociedade produz esquizofrênicos da mesma maneira como produz o xampu Prell ou carro Ford, com a única diferença de que os esquizofrênicos não são vendáveis.” (DERRIDA, 2000, p. 15). Por isso, a releitura dessas questões, às vezes, pode tornar as obras que primam por essa estética, canônicas em virtude da desmitificação da ideologia construída no corpo social da linguagem literária clássica e, também por ter caído no gosto de leito e critica, sendo que o crítico mais importante é o leitor incauto.
Nesse sentido, os poetas pós-modernos levados pela gama de acontecimento e mundanças políticas, sociais e sexuais no ritmo da sociedade atual, vêm a atender a este chamado, muitas vezes sem muita preocupação com a posição da crítica institucional. Conforme assegura Perrone-Moisés:


Os novos escritores não estão nem um pouco interessados em ingressar futuramente no cânone; interessa-lhes ter seus livros rapidamente publicados, traduzidos em línguas hegemônicas, adaptados para o cinema e a televisão; para conseguir esses objetivos, não é necessário ‘um longo assentimento’, basta figurar na lista dos mais vendidos. (...) Quanto aos leitores de literatura, em geral esses se interessam pouco por discussões acadêmicas, embora delas dependa, pelos menos em parte, a existência futura de leitores de literatura. (PERRONE-MOISÉS, 1998, p. 176).


Na realidade, as poéticas pós-modernas oscilam ente colagem e montagem do cotidiano, mantendo em sua ordem discursiva a obscuridade, ironia e confusão de temas.


... citar, pastichar ou reciclar, com uma vaga ironia desprovida de qualquer projeto, (...) A arte moderna, que surgira com escândalo, em ruptura com o público, está por toda parte. (...) A literatura, que durante séculos ocupara um papel relevante na vida social, tornou-se cada vez menos importante. Na “sociedade do espetáculo” (Guy Debord), a escrita literária fica confinada a um espaço restrito na mídia, pelo fato de se prestar pouco à espetacularização. (PERRONE-MOISÉS, 1998, p.177).


Assim torna-se visível a disposição dos poetas em fazer uso do estilo pós-moderno, o qual privilegia as produções que reificam os discursos das fontes, trazendo à tona processos poéticos que se caracterizam pela transgressão tanto origem quanto da influência. Atualmente, há produções narrativas que atendem a estética da violência, ou seja, poetas e escritores pós-modernos organizam sues textos em torno de acontecimentos sociais que representam tragédias pessoais e coletivas que vão além da catarse clássica. Tal procedimento estético pode ser entendido como uma aceitação dos padrões determinados pela indústria cultural.
Sob esse ponto de vista, Adorno em sua Teoria da Estética, responde aos ataques de seus críticos, afirmando que a arte depois do holocausto deveria levar em conta aspectos estéticos e culturais impingidos pelos sistemas dominantes, mas nem por isso, a arte deveria desprezar as barbáries e produzir trabalhos simplistas que agradariam a paladares superficiais de leitores incautos.


A violência que há cinqüenta anos podia parecer legítima àqueles que nutrissem a esperança abstrata e a ilusão de uma transformação total está, após a experiência do nazismo e do horror estalinista, inexplicavelmente imbricada naquilo que deveria ser modificada: “ou a humanidade renuncia à violência da lei de talião, ou a pretendida práxis política radical renova o terror do passado. (ADORNO, s.d., p.11)


Dessa forma, percebe-se que a produção artística que tem como práxis o relato dos mecanismos de dominação social, impingidos pelo sistema dominante: violência física e psicológica; tortura ;cessão de direitos sociais; crise de identidade e sexual é defendida por Adorno.
Os ataques da crítica literária pós-moderna fazem com que a obra de arte, nesse caso a narrativa, tenha sua essência discursiva voltada para a exposição de pensamentos epistemológicos.
A obra de arte nesse contexto, segundo afirmou Adorno, tem papel duplamente definido, ou seja, ao mesmo tempo em que representa as antíteses e aninomias da sociedade, ela em si mesma é u duplo, pois detém em seu bojo uma relação triádica com o público consumidor.


Esse duplo caráter vincula-se à própria natureza desdobrada da arte, que se constitui como aparência. Ela é aparência por sua diferença em relação à realidade, pelo caráter da realidade que pretende retratar, pelo caráter aparente do espírito do qual ela é uma manifestação; a arte é até mesmo aparência de si própria na medida em que pretende ser o que não pode ser: algo perfeito num mundo imperfeito, por se apresentar como um ente definitivo, quando na verdade é algo feito e tornado como é. (ADORNO, s.d., p. 11).


Após esse arcabouço teórico-meotodológico faz-se breve análise de Até parece de mentira, de Lucinda Persona. Este conto foi publicado na revista RDM, 2004, p. 34. Desse corpus analisar-se-ão elementos recorrentes da narrativa pós-moderna conforme anunciando acima. É, pois, uma narrativa com temática atual e se aproxima do cotidiano, apresentando assim as relações entre o sujeito e o meio social no qual ele vive.
Persona narra o drama que faz parte do cotidiano nas cidades pós-modernas, isto é, apresenta no referido conto um encontro amoroso, no qual as personagens mostram o conflito existencial e saem em busca de algo que lhes completem. Sendo assim, ouve-se o que diz o narrador sobre si mesmo: “vigilante, cautelosa, ela entrou no carro que, pelas mãos dele, arrancou suave no meio da noite. Uma animadora lua se erquia no céu com um leve tom de amarelo e prata” (PERSONA, 2004, p. 34).
Tem-se ai uma atmosfera romantizada, isto é, a figura feminina se mostra deslumbrada diante do que se passa. Embora saiba que tudo não passa de mais uma aventura. Tais ocorrências remetem ao universo intertextual, pois, aludem à inocência da mocinha pura diante do príncipe encantado e que tem a lua como espectadora. Tem-se assim, um texto recorrente do romantismo.
As palavras do narrador indicam que a protagonista já conhecia o ambiente onde tinha sido “encontrada”, porém algo lhe dizia aquele seria o dia: quantas e quantas noites ela já estivera naquele quarteirão, esperando, toda cheia de adereços, despojada de pudores. Que se danasse o mundo, ela havia escolhido seu destino, estava de bem com o que era e com o que fazia.” (PERSONA, 2004, p. 34).
Na perspectiva da estética pós-moderna em tal narrativa se vislumbra o entendimento de que a autora usou de elementos que levam à concepção da crise de identidade, pela qual passa a personagem protagonista, até porque em toda narrativa os agentes não são identificados, apenas são apresentados pelos pronomes Ele e Ela. Com efeito, tem-se nessa narrativa uma presença significativa do silêncio que, segundo já mencionado por Connor, faz parte da estética da ficção pós-moderna e, portanto, tem no silêncio o princípio “da alienação da razão, da sociedade, da natureza e da história, no repúdio e na subversão da linguagem, [...] na exploração do êxtase, do transe e de outros estados extremos de sentimento, na concentração da consciência sobre si mesmo, bem como na intensa consciência do apocalipse.” (CONNOR, 1996, p.93).
Sob outro enfoque, ainda é possível perceber a efemeridade dos relacionamentos humanos, uma vez que tudo está baseado na busca imediata do prazer hedonista. Para tanto, comprova-se isso nas afirmações que seguem:


Finalmente, o lugar ideal. Rápido drinque, cama. Ela ainda vestida, caiu nos braços dele. Súbito, ele, numa atitude quase drástica, indo às vias de fato, virou-a numa posição que todos de cunho... marcadamente animal. Ela bem diversa, em seu consentimento ativa, já apaixonada, esgoeleou-se em muitos ohs! E, numa outra manobra, quando ele descobriu já era tarde. (PERSONA, 2004, p. 34).


Verifica-se que nessa narração há também a presença da androgenia como elemento temático. “de início, inerte, depois, possesso, como os enganados se sentem, virou-a de frente, deu-lhe um soco no queixo (nem tão forte assim) esbravejando: “porra de travestis! E se foi.”” (PERSONA, 2004, p. 34).
Viram-se nesse percurso alguns aspectos que compõem, atualmente, a narrativa de ficção pós-moderna. Logo, a compreensão e análise da literatura e da arte contemporâneas, sobretudo a ficção de caráter pós-moderno está edificada no fragmentário, no andrógino e no efêmero.
Referências
BOSI, Alfredo. Dialética da colonização. São Paulo: Companhia das Letras, 1992.
CONNOR, Steven. Cultura pós-moderna. 3.ed. São Paulo: Loyola, 1996.
EAGELTON, Terry. As ilusões do pós-modernismo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998.
HARVEY, David. A condição pós-moderna. São Paulo, Loyola, 1998.
PERSONA, Lucinda. Ate parece de mentira. In. Revista RDM, Cuiabá, 2004, p.34.
SARLO, Beatriz. Paisagens imaginárias. São Paulo: Edusp, 1997.
_____, cenas da vida pós-moderna: : intelectuais, arte e videocultura na Argentina. 2. ed. Rio de Janeiro, Editora UFRJ, 2000.
SANTAELLA, Lúcia. Arte & (cultura):equívocos do elitismo. 3. ed. São Paulo: Cortez, 1995.
* Professor da Uneb – Campus XVI Irecê - BA.

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