quinta-feira, 19 de julho de 2007

TEXTO: MEMÓRIAS DISCURSIVAS

A civilização ocidental tem suas características asseguradas devido aos registros construídos; imagens e signos representacionais realizados pelos homens da caverna (Memórias discursiva, cultural e imagética). Tais procedimentos foram armazenados no inconsciente desses homens e transmitidos às novas gerações através de discursos - fala -, uma vez que, essa comunidade ainda não articulava significados para formação da palavra escrita, texto. Embora já fizesse usos da técnica escrita quando desenhava os animais abatidos durante a caça. Essa ação talvez fosse intencional, porque era uma forma de se colocar no papel de herói, dizendo aos demais que se baseassem na informação ali contida e a guardasse em suas memórias individual e coletiva, pois, o futuro e a sobrevivência da comunidade dependiam de tal habilidade; reconhecer os animais a serem capturado através das imagens desenhadas nas cavernas.

A palavra escrita ganha status e é usada com propósitos unilaterais (lembremo-nos do manuscrito de Em nome da rosa, de Umberto Eco), no qual o conhecimento é mantido sob a proteção da Igreja com objetivo de barganhar, pois este privilégio (dominar a leitura e a escrita, os textos bíblicos, doutrinários e artísticos) era reservado a poucos privilegiados, os quais, na maioria das vezes, recebiam da corte uma indicação, mantendo assim a dominação das informações estratégicas da corte. Ao homem comum, eram transmitidas idéias com força de lei.
Estes ensaios têm como destinatário, usuários da palavra falada e escrita que, na hora de comunicarem-se sentem algum tipo de dificuldade por não saber qual gênero textual deve empregar para a realização seu enunciado de maneira clara e legível. Não obstante, que a produção textual é o maior problema enfrentado por professores, alunos e aqueles que necessitam da palavra (oral e escrita) como instrumento de trabalho.

A diversidade de conceitos e práticas de escrita oscila entre os fundamentos da lingüística e as orientações de gramáticas. Assim sendo, oferece-se aos estudantes de linguagens, futuros produtores de textos e, consequentemente, professores de jovens escritores; informações didatizadas sobre os pressupostos e princípios de Semiótica (teoria do texto), visando uma ampla significação do texto enquanto objeto construído sob a perspectiva da interação. Para tanto, tomar-se-á a empréstimos os conceitos de gêneros do discurso de Bakhtin, bem como das premissas de leitura e sentido de Kleiman, bem como as assertivas anarquistas de Barthes sobre os sentidos históricos, culturais e sociais presente no texto, devido aos reflexos do fascismo da língua na vida do produtor do texto.

O livro [ensaios] está dividido em três grandes etapas. Na primeira, buscamos informar ao estudante sobre os conceitos de teorias de língua e linguagem; na segunda, serão estudados os gêneros textuais a partir de sua origem por meio de um resgate histórico e cultural, em seguida a sua aplicabilidade tanto na oralidade quanto na escrita através do estudo e da releitura dos textos de publicidades impressa e televisiva. Por fim, comentaremos os textos normalmente produzidos pelos estudantes, aplicando nesse processo, os conceitos e teorias a respeito dos gêneros em questão.
Diante dessa perspectiva, certamente irá surge uma pergunta crucial, portanto, antevejo para o leitor: Afinal, onde estará a questão da leitura nesse processo? Implícita! É a resposta. Explicamos então tal assertiva: Caro leitor! Se levarmos em consideração que o sujeito per si é um leitor desde o momento de sua concepção (junção do óvulo com o espermatozóide) exigindo desses organismos uma leitura das melhores condições do setting de fecundação para encontrar o melhor espaço no útero para o início da vida. Então está ai o motivo pelo qual somos os agentes de nossa própria memória. Sendo esta formada e ligada diretamente com as nossas realidades sócio-histórica e cultural, fazendo nos usuários e produtores contínuos de memórias - textos.
Os historiadores e psicológos sociais têm mostrado em suas teses a importância da memória para o entendimento da arte e da vida em sociedade por meio de resgate oral e escrito dos textos acumulados na sociedade empírica. De sorte que na clássica obra Memória e sociedade: lembranças de velhos, de Ecléa Bosi, a autora ressalta a importância do conhecimento e da cultura armazenada pelos idosos ao longo de suas experiências. Tais informações se encontram na memória de cada um, sendo que esses sujeitos da/na linguagem têm suas memórias em estado de inércia. Contudo, ao requisitá-las, estas estão prontas para se movimentarem e, assim contribuir para a compreensão do homem contemporâneo.

Assim sendo, a intenção presente nesse trabalho, é mostrar que ao produzir um texto o enunciador precisa saber quais serão os significados que podem extrair do saber acumulado tanto na comunidade onde atual quanto no meio social em que circulará a informação por ele prestada. Ademais, o sentido de texto aqui ganha maior espaço e passa a ser entendido parte significativa da memória histórica e cultural, configurando assim numa reescritura paráfrase do saber socialmente acumulado pelos indivíduos em suas comunidades. Portanto, produzir texto é uma atividade diária a qual requer do produtor técnica e esforço contínuo no sentido de estabelecer associação entre o que pretende informar e formar com suas mensagens e, consequentemente, possibilitar ao leitor as inferências possíveis do assunto a partir do resgate da memória histórica e cultural nele existente e que pode ser trazida à tona por meu dos significados dos discursos, constituindo assim uma nova memória discursiva.

Para Barthes (1987) é nesse momento que o professor de linguagem deve atuar como mediador das memórias discursivas presentes no ambiente escolar. Assim: “O professor não tem aqui outra atividade senão a de pesquisar e de falar - eu diria prazerosamente de sonhar alto a sua pesquisa - não de julgar, de escolher, ...”os caminhos para os seus alunos produzirem textos, ao contrário; juntos com seus aprendizes busca-se no inconsciente coletivo informações que lhes sejam úteis como exemplos e associações de pensamentos. Por isso a leitura diária faz-se questão fundamental no processo de formação da memória discursiva e cultural do cidadão. Parafraseando o famoso dito popular: você é o que come. Diria que sua memória discursiva e cultural é o que você ler. Isso porque à medida que se realiza a leitura a estrutura da língua (léxico, sintaxe, classe gramaticais, etc.) vai se fixando em sua mente, podendo ser solicitada mais tarde quando da escritura de uma mensagem.

"O PASSATEMPO DO TEMPO PASSADO"

Este ensaio tem como desígnio explicar a ordem do discurso “misto” – literário e historiográfico de Irecê a saga dos migrantes e historias de sucesso (2004), de Jackson Rubem, uma vez que, a obra é uma compilação de memórias orais, na qual se destacam as reminiscências dos migrantes, mais especificamente, paraibanos.
Por questão didática, adota-se a idéia de que a literatura e a história usam o mesmo subsídio para sua construção, isto é, ambas obtém seus instrumentos de combate a partir da verossimilhança. Portanto, “interpretar a experiência, com objetivo de orientar e elevar o homem” (Nye, 1966, p.123 apud Hutcheon 1991, p. 141) é a linha que orienta os relatos da obra em questão, pois o autor se debruça sobre os fatos e sublima “estórias” e famílias de migrantes paraibanos.
Numa tentativa de classificação, considerar-se, pois, que Irecê a saga dos migrantes é uma “metaficção historiográfica” a qual segundo Linda Hutcheon (1991) tem se apresentado numa espécie de romance, porque é através deste tipo de escritura que se imortaliza o passado que por alguma razão não foi considerado pela história oficial. Neste caso existe na obra em estudos um vínculo tênue entre história e narrativa literária. Entretanto, esta última esteticamente é bastante discutível no que se refere a sua qualidade artística. Por outro lado, quando vista sob o prisma do registro historiográfico, o livro analisado é de grande valia, uma vez que “toda história é uma história de alguma entidade que existiu durante um considerável período de tempo, e que o historiador quer afirmar o que é literalmente verdadeiro a seu respeito num sentido que faz distinção entre o historiador e um contador de estórias fictícias ou mentirosas. (M. White, 1963, p.4 apud Hutcheon 1991, p. 141).
Em sendo um contador de causos, Jackson Rubem certamente silenciou ou enalteceu discursos, os quais estão narrados na primeira parte do livro. Observa-se, pois, nesta parte da narrativa sua pretensão historiográfica, visto que o autor faz releituras de acontecimentos ocorridos na região, destacando os migrantes como protagonistas.
Pode-se ver a intenção do autor em relatar os feitos nada ortodoxos de uma família de migrantes, quando esta se dirigia à Irecê. Segundo o cronista, foi às margens do Rio São Francisco que (lembrem-se, pois, que mesmo no começo do século a ação à se citada a seguir, constitui-se contrária à legislação do país). Então, transcrevemo-la:
“Vicente tomou a dianteira e perguntou ao dono da fazenda, por quanto ele vendia um daqueles animais. Disse que estavam famintos, sofrendo bastante, mas o dono da fazenda não se importou com o sofrimento deles e disse que seus animais não estavam a (sic) venda. ‘Vicente, que era o mais brabo (sic) de todos, gritou: “traga o cravinote! De fome é que a gente não vai morrer.’”RUBEM, 2004, p.17).
Iguais esta passagem várias ilustram a obra. É interessante a tendência da interpretação dos relatos por parte do escriba, uma vez que ele parece submergir no ambiente da narrativa. Confira no excerto: “(...) Vicente caminhou alguns passos, aproximou-se de um boi gordo, apontou a arma para a cabeça e disparou, matando o animal na hora.” RUBEM, 2004, p.17).
Já segunda parte do livro, à qual o autor sugere no prefácio ser outro livro, é na verdade uma coluna social, pois, ali há mera exposição de figuras (dispensa-se qualquer juízo). Assim sendo, fica perceptível a acriticidade da obra.
Ver-se, portanto, o esforço do autor por meio de sua versão das estórias, transforma a multíplice significação da diáspora nordestina em fragmentos da história. Para tanto, fundamenta-se na subjetividade dos relatos orais que lhes foram contadas por aqueles que, de uma forma ou de outra sobreviveram e, com um golpe de sorte conseguiram se firmar.
Para Hutcheon (1991, p. 210-211) O poder subjetivo da narrativa oral é totalizante, levando à crença de que ao transformá-la em escrita, constitui-se história. Entretanto, é sabido que isto não se aplica à obra: Irecê a saga dos migrantes e historias de sucesso porque há vários hiatos no que se refere à estrutura da narrativa: ordem do discurso e metalinguagem. Por fim, esta metaficção historiográfica traz de maneira subliminar elementos da pós-modernidade, isto é, diante de uma crise de identidade, certos indivíduos ou grupos buscam o resgate e reificação de seu passado.
Bibliografias

HUTCHEON, Linda. Poética do Pós-modernismo: história, teoria, ficção. Rio de Janeiro: Imago Ed., 1991.
RUBEM, Jackson. Irecê a saga dos migrantes: histórias de sucesso. Irecê [BA], Print Fox, 2004.