quarta-feira, 24 de junho de 2009

WEBLOG: ESCRITA E SOCIALIZAÇÃO DE EMOÇÕES NA REDE

Eu tenho meu diário na Rede e o torno público porque, precisamente, não tenho nada a dizer. Steven Rubio (blogueiro)
Robério Pereira Barreto©


Resumo: esta discussão articula-se acerca da questão da escrita como tecnologia intelectual usada no weblog para produção de discursos cuja linguagem é tida como construto na socialização das emoções e impressões estético-discursivas dos cibernautas participantes de cibercomunidades, que tem no weblog um espaço de ação verbal. Nesse raciocínio reconhece-se ainda a importância das tecnologias de informação e comunicação – TIC – na integração de saberes criados pelos sujeitos em seus lugares de fala e escuta na cultura local, vindo a promover a ação estético-discursiva das emoções do autor da enunciação no âmbito da internet. Por fim, apreende-se que a escrita no weblog demanda um código além do instituinte, isto é, pratica-se neste ato comunicacional o código secreto e antilinguagem do ciberespaço, contrariando assim a norma da escola.
Palavras-chave: weblog; escrita; antilinguagem; TICs.

Abstract: this argue is articulated concerning the question of the writing as used intellectual technology in weblog for production of speeches whose language is had as construct in the socialization of the emotions and participant impressions aesthetic-discursive of cibernautas agents of the cibercomunities that has in weblog a space of verbal action. In this reasoning one still recognizes the importance of the information technologies and communication - TIC - in the integration to know created for the citizens in its places of says and listening in the local culture, come to promote the aesthetic-discursive action of the emotions of the author of the articulation in the scope of the Internet. Finally, it is apprehended that the writing in weblog demand a code beyond the instituinte, that is, practices in this comunicacional act the private code and antilanguage of cyberspace, thus opposing the norm of the school.
Key-words: weblog; whiting, antilinguagem; TIC

Introdução
Como é que se articulam as intimidades no contemporâneo, as quais, por seu turno, são entremeadas por inúmeras questões simbólicas e de linguagem? Este, pois, é o inquérito que ora leva à escrita desse texto. Além de uma aparente simplificação da questão, apresenta-se a problemática que vem determinar a reflexão pretendida na discussão a seguir esboçada: A contínua utilização das tecnologias intelectuais engendradas e aportadas pela internet, sobretudo weblog, tem possibilitado a socialização das identidades dos cibernautas e a construção de redes sociais, na medida em que cada um compartilha, via escrita suas intimidades na web?
A rigor, não se quer, evidentemente, pensar em evidenciar quaisquer postulados, tampouco estatuto de originalidade sobre a questão. Ao contrário, visa-se, com isso, a interlocução com os autores que tratam da teoria do texto, destacando os estudos que define a escrita no weblog como sendo uma evolução do gênero epistolar – cartas e diários íntimos – a qual contemporaneamente é mediada pela internet.
Na perspectiva de textualidade e escrita íntima como ação recorrente na internet via weblog, toma-se de empréstimo e faz-se apropriação dos conceitos de gênero discurso e estética da criação verbal de Mikhail Bakhtin (2000); tecnologia intelectual de Pierre Lèvy (2000), tecnologia e educação de Lima Jr (2005) e dialética interna de Hetkowski (2009), pois, crê-se que a interlocução com estes autores auxiliam na compreensão do objeto proposto na medida em que se verifica cada vez mais a necessidade de se fazer ser no ciberespaço.
Para isso, os cibernautas produtores de discursos no weblog mostram-se cada vez mais dispostos a se relacionarem por meio da escrita virtual, à qual se condicionam percepções dos sujeitos diante das interfaces propostas pela internet, inclusive possibilitando a criação de máscaras sociais na medida em que se pedem perfis dos membros das cibercomunidades.
Parte-se ainda do ponto de vista de que cibernautas freqüentadores de weblogs buscam se entenderem mutuamente por meio dos discursos postados como linguagem e significados próprios àquele momento de comunicação assíncrona, isto é, o blogueiro sabe que a seu texto – comentário – somente será visto e lido depois de algum tempo, portanto, ele tem oportunidade de desabafar suas intimidades sem que haja de imediato a censura.
Esta é, sem dúvida, uma das possibilidades de comunicação ofertada pela internet a bilhões de pessoas no mundo, posto que as tecnologias de informação e comunicação, especialmente a internet, a qual trouxe ao indivíduo comum, condições de dialogar com seus pares em virtude do acesso ao computador ligado a rede mundial que, por sua vez não somente permitiu a leitura de informações, mas também de produzi-las com discursos cujos conteúdos variam de simples desabafos às questões comerciais e colaborativas.
Dessa maneira, faz sentido lembrar que nem a barreira da língua tem impedido a comunicação entre os cibernautas, uma vez que 1/3 dos cibernautas que dialoga diariamente na internet produzem seus discursos em língua inglesa. Todavia, há na própria rede uma série de ferramentas que possibilitam a tradução instantânea dos textos, levando o cibernauta à compreensão do que está sendo produzido enquanto comunicação. Além disso, há a universalização dos cibercódigos no qual registram cada vez mais signos e símbolos novos, somente reconhecidos pelos iniciados.
Tecnologia do virtual como linguagem
A contemporaneidade é caracretizada por um processo no qual o poder das tecnologias de informação e comunicação – TICs – proporcionam novos procedimentos educativos e sociais da sociedade, criando dessa maneira dois importantes sujeitos comunicativos e sociais; da linguagem: conectado e desconectado.
Nesse quadro de relações destaca-se a questão das identidades às quais são edificados elementos da linguagem no tempo e no espaço da pós-modernidade. “A pós-modernidade fala nas pessoas, cuja identidade importa pouco porque seu ser é dado pelo sistema de diferenças que cria a alteridade ou o outro:” (CHAUÍ, 2007, p. 490).
Assim, ver-se que cada vez mais a sociedade é posta em contato com novas formas de comunicação, as quais são resultantes de um processo proposicional em que as tecnologias de informação e comunicação como linguagem abrange uma série de signos fáticos cuja referenciação acontece na pragmática das interfaces expostas na tela. (TRIVINHO, 2001).
A partir disso
é necessário que professor e aluno experimentem o labirinto e a complexidade de seu trabalho na singularidade de cada organização/situação e na incerteza do aprender, conhecer e instituir novas práticas e realidades, nos contextos em que participam como parte integrante/integrado, como sujeitos históricos, de autonomia, de co-autoria e de co-responsabilidade. (LIMA JR. e HETKOWSKI, 2006, p. 41)

O processo criativo do qual ocupam um lugar de destaque as tecnologias de informação e comunicação – TICs –, quando pensadas a partir da racionalidade técnica; indo, além disso, é possível se verificar nas palavras dos autores que “as práticas pedagógicas a partir do uso crítico, colaborativo, solidário, criativo e transformativo que os educadores podem realizar mediante condições materiais e simbólicas inauguradas pelo advento das TIC e da generalização da informação e comunicação” (LIMA JR. e HETKOWSKI, 2006, p. 41).
O homem ser social e simbólico por necessidade cria ao longo de sua história, condições instrumentais para poder adentrar ao universo da linguagem e, com isso, agrega a si e os demais mecanismos que os possibilitem conviver e produzir significados via linguagem.

o ser humano desenvolve ações e atividades específicas, na forma de práticas sociais, individuais e coletivas, repercutindo na organização de instituições e de processos societários voltados para a produção da vida material humana. Por outro lado, por causa de sua entrada na linguagem, concomitantemente, produz relações, praticas e ações que visam satisfazer suas necessidades simbólicas, gerando com isso organizações, práticas, relações e instituições sociais espirituais e culturais. Neste duplo movimento, constitui a si mesmo como humano e humaniza a realidade da qual participa como parte integrante e integrada. (LIMA JR, HETKOWSKI, 2006, 31).

Na emergência da contemporaneidade houve por parte do homem a compreensão do binômio: técnica-tecnologia tomado ao rigor da existência humana, conduziu ao entendimento de que “corpo e linguagem humanas” formatam a dimensão história da humanidade, posto que os indivíduos se fazem ser do e no mundo. Portanto, ser humano é condição sine qua non para que se participe da operacionalização das tecnologias e suas linguagens visto que o homem enquanto ser criativo evolui à medida que

(...) utiliza-se de recursos materiais e imateriais, ou os cria a partir do que está disponível na natureza e no seu contexto vivencial, a fim de encontrar respostas para os problemas de seu contexto superando-os. Neste processo, o ser humano transforma a realidade da qual participa e, ao mesmo tempo, transforma a si mesmo, descobre formas de atuação e produz conhecimento sobre elas, inventam meios e produz conhecimento sobre tal processo, no qual está implicado. (LIMA JR, HETKOWSKI, 2006, 31)

Dessa maneira, a produção e utilização de mecanismos técnicos estão à capacidade do homem em se mover diante das necessidades de produzir e ressignificar os meios produtivos, pelos quais ele realiza vivências, as quais o situam no contexto sócio-técnico como cidadão ativo. Assim sendo, é interessante que o indivíduo seja exposto à construção coletiva de entendimentos dos programas educacionais, bem como suas políticas institucionais, considerando que sua inserção no processo produtivo como sujeito o leva ao entendimento de si e das novas formas de linguagem presentes na sociedade onde atua e por meio de “uma tecnologia intelectual não precisa ser efetivamente utilizada por uma maioria estatística de indivíduos para ser considerada dominante” (LÉVY, 1998, p.15). A exemplo disso, nos apresenta a escrita como tecnologia intelectual fundante à produção estético-discursiva no weblog.
Na perspectiva de que a escrita como tecnologia intelectual, faz-se lembrar que tal técnica de comunicação foi para boa parte dos franceses algo complexo até o século XIX, por eles não sabiam usá-la, pois eram analfabetos. Deste modo, escrita nesse sentido determinou o imaginário religioso, científico e político do mundo, pois através dela se inscreveu as “verdades do mundo” por aqueles que a dominavam como tecnologia.
Nesse sentido, Lévy considera a escrita uma tecnologia intelectual, a qual é resultante dos avanços da civilização, isto é, as sociedades urbanas passaram a partir de Gutenberg a ter acesso a textos e, com isso, promoveram a escrita a tal status. Antes, porém, os povos produziam e distribuíam seus saberes e conhecimentos numa espécie de rede de comunicação na qual a tecnologia intelectual presente era a fala. Não obstante à evolução das comunidades pós-industrialização; a fala e a escrita continuam seu caminho tecnológico a serviços da socialização do conhecimento.
Assim como a escrita, considera-se a internet como a mais ampla e complexa tecnologia intelectual, porque ela agrega em si, linguagens e técnicas comunicativas oriundas da oralidade e da escrita aportada pela linguagem da informática. “A informática deve ser analisada como tecnologia intelectual” (LÉVY, 1998, p. 15).
Numa concepção empírica, o filósofo francês assegura que a informática por meio dos computadores desenvolve uma linguagem que pode ser modificada e destruída ao mesmo tempo, posto que, suas significações são de certa maneira atemporais. “A informática expõe suas ferramentas: seres materiais, estruturas lógicas ou linguagens formais, pacientemente construídos. Esses instrumentos podem ser dissecados, examinados, sondados, são objetos de experiências. É essa a dimensão empírica da informática.” (LÉVY, 1998, p. 16).
Destarte, cabe ao estudioso e até mesmo ao usuário leigo considerar que, enquanto tecnologia intelectual, a informática contribui para determinar “o modo de percepção e intelecção pelo qual conhecemos os objetos. Fornecem modelos teóricos para as nossas tentativas de conceber, racionalmente, a realidade. (...) Os sistemas de processamento da informação efetuam a mediação prática de nossas interações com o universo.” (LÉVY, 1998, p. 16).
Já no que se refere à questão educacional, a informática como tecnologia intelectual tem sido, na maioria das vezes, má utilizada e, com isso, tem promovido a exclusão digital dos indivíduos, uma vez que o acesso a ela exige preparação antecipada. Em outros termos, a escola ainda não conseguiu promover a inclusão de seus agentes formadores no universo do saber em rede, o qual segundo Lévy (1998) ocorrem na perspectiva do hipertexto. “A utilização multiforme dos computadores para o ensino está se propagando na escola, na casa, na formação profissional e contínua. Essa utilização carrega em si uma redefinição da função docente e de novos modos de acesso aos conhecimentos.” (LÉVY, 1998, pp. 26-27).
É com essa perspectiva que se desenvolveu programas de inclusão digital nas escolas públicas do país, todavia não houve antecipadamente uma formação profissional dos agentes educativos que seriam os iniciadores das crianças no uso e na prática da linguagem tecno-digital da informática e, por conseguinte, o acesso à cibercultura.

Antes mesmo de influir sobre o aluno, o uso dos computadores obrigas os professores a repensar o ensino de sua disciplina. A elaboração de um programa de ensino assistido por computador (ECA) ou um software didático necessita uma clarificação e explicitação das intenções do conceptor, uma adaptação exata aos objetivos dos meios empregados, uma distinção dos gêneros de discursos (transmissão de informações positivas, comentários, conselhos, etc.). Muitas “linguagens autores” propõem aos docentes uma ajuda para elaboração de softwares didáticos. (LÉVY, 1998, p. 27).

Por isso é fundamental que os docentes estejam conectados com essa nova realidade de ensino-aprendizagem, posto que as fronteiras que dividiam os saberes estão sendo desconsideradas pelas novas linguagens das tecnologias intelectuais. Estas, por sua vez permitem aos agentes educacionais – professores e alunos – acessarem em tem real
as informações armazenadas em bancos de dados para obterem informações bibliográficas ou, diretamente, as informações procuradas fará parte, em breve, do mecanismo normal da aquisição dos conhecimentos. Os programas de ensino que requeiram um grande poder de cálculo só serão acessíveis através de redes telemáticas. As comunicações via fibra óptica autorizarão a consulta de bancos de imagens de alta definição. Percorrer as arborescências das linguagens documentais, explorar as ramificações das redes, outros tantos savoir-faire em breve indissociáveis dos aprendizados complexos. (LÉVY, 1998, p. 28).

Infere-se, assim, que há complexidades no fazer e no ser na/da escrita realizada no weblog, visto que a linguagem pretendida por esse lócus comunicacional e interativo é proposicional e solicita dos autores ações estético-discursivas pautadas no código secreto convencionamente articulado entre os sujeitos que partilham o weblog como meio de articulação individual, social e política.
Weblog: do argumento à gerência de emoções na rede
Apresenta-se a compreensão do que o weblog representa para a sociedade contemporânea; meio de produção e publicização de informações pessoais que por seu turno, associa-se, às vezes, ao individual e, por outro lado, ao social. O primeiro é nascente de uma tradição ocidental da escrita com a qual as sociedades registraram de maneira secreta suas emoções - diários íntimos -, mantendo dessa forma a questão da privacidade que até então não existia na sociedade grega, devido ser na Paidéia a melhor meio de se expressar os sentimentos individuais ao coletivo, isto é, os discursos eram àquela época públicos.
Com relação ao social, o weblog rompeu com a tradição da vida privada e põem em destaque e ao público as emoções dos indivíduos que, por necessidade psicológica de se fazer visto posta à rede seus cotidianos pessoais. Isso poderia ser compreendido como sendo uma espécie de sessão de análise pública, na qual todos se escutam e se expressam ao mesmo tempo, entretanto, esta questão não está a lume, visto que não se trata de uma abordagem psicanalítica. Porém, não se exime de reconhecer a importância que essa ancoragem teórica tem nesse contexto.
Sabe-se que na contemporaneidade há uma presença contínua das tecnologias de informação e comunicação - TICs que, segundo Lévy (2007) tem possibilitado à compreensão da chamada inteligência coletiva na qual os sujeitos interatuam inventando a linguagem quando jamais se falou, quando nenhum de seus ancestrais jamais proferiu uma frase (...).
É nesse sentido, portanto, que crer-se na idéia de que o weblog é um espaço de encontro de inteligências coletivas as quais se associam à linguagem escrita numa série de signos culturais que, distribuídos e coordenados pelos membros das cibercomunidades levam ao entendimento coletivo de que há signos, por sua vez, migrantes e mutatis mutantis; “deslizamentos vertiginosos entre as religiões e as línguas, zappings entre vozes e os contos, e bruscamente, na esquina de um corredor subterrâneo, surge à música do futuro... A Terra como uma bola sob o olho do gigante de um satélite” (LÈVY, 2007, p.16).
Em sendo o weblog uma tecnologia intelectual que se fundamenta em outra técnica, escrita; pode-se inferir que o reconhecimento de que as língua(gens) foram criadas e, convencionalmente, aceitas pelas sociedades em determinados momentos no interior de dadas comunidades. A produção da escrita no weblog é, sem dúvida, uma maneira de se repensar o conceito de público e privado, posto que o ato comunicativo per si assegure aos comunicadores possibilidades de trocas sejam elas simbólicas ou culturais.
Para Lèvy (2007) a democratização da sociedade moderna passa a evidenciar-se na medida em que os indivíduos vêem na língua a condição essencial para se realizar a comunicação social no interior das sociedades. Dessa maneira, reconhece-se que as práticas contemporâneas de comunicação realizadas por meio do weblog, são desconstruções desse processo. Isso tem ocorrido devido à capacidade e ampliação de espaços comunicativos criados pela web em escala global, deixando à mostra todas as relações que os sujeitos têm e criam com os grupos com os quais se identificam por meio da linguagem que praticam.

As línguas são feitas para a comunicação no interior de pequenas comunidades "de escala humana", e talvez para assegurar as relações entre tais grupos. Graças à escrita, vencemos uma nova etapa. Essa técnica possibilitou um acréscimo de eficácia da comunicação e da organização dos grupos humanos bem mais importante que o permitido pela fala. (LÈVY, 2007, p. 17).

Essa nova dimensão comunicativa tem permitido aos sujeitos expressarem seus sentimentos e emoções por meio de suas linguagens próprias como também a comunidades inteiras interagirem com o mundo em tempo integral. Isso para Lèvy (2007) é uma oportunidade até então ímpar, uma vez que a internet possibilitou o uso significativo das tecnologias intelectuais, sobremodo, weblog no qual a escrita ganha signos que a hibridiza, elevando, às vezes, a linguagem ao status de código secreto e, dependendo do contexto no qual se instala a comunicação inter-sujeitos-grupos, pode se chegar ao nível de antilinguagem no momento em que o diálogo é produzido de modo a contrariar todas as regras de comunicação escrita.
Destarte, o weblog como tecnologia intelectual da contemporaneidade tem permitido ao gerenciamento de emoções em rede de tal modo que “as diversas particularidades regionais, as especificidades locais, os vários dialetos, os usos e costumes, os estilos de vida e até as instâncias de gestão ou governo provinciais foram poucos esvaziados, suprimidos em prol dos Estados nacionais e de seus órgãos representativos.” (MAFFESOLI, 2004, p. 14).
Nessa lógica, outra reflexão torna-se possível: as tecnologias intelectuais autorizadas pela internet, sobremodo, a linguagem realizada no weblog por meio da escrita como código secreto: antilinguagem pode levar a uma nova maneira de se fazer a educação lingüística na contemporaneidade? Em outras palavras, há nessa perspectiva um “ideal democrático” Arendt (2008) com o qual as relações sociais na rede se estabelecem a ponto de levar o sujeito da linguagem à antologia do ser a partir da projeção de sentidos e significados individuais e coletivos possíveis pela estrutura tecnológica da web?
Nesse mister pondera Maffesoli (2004): A razão abstrata da estrutura tecnológica, que pretende, de fora para dentro, preencher as carências do individuo, corrigir os defeitos sociais, em suma, aperfeiçoar o que ainda existe de inacabado na natureza humana. (MAFFESOLI, 2004, p. 20).
Em verdade, a incompletude dos indivíduos os leva à socialização de suas inteligências coletivas e, com isso, estabelece-se uma ética com qual se pretende vivenciar uma série de acontecimentos nos quais as comunidades se auto-representam na web.

Quanto melhor os grupos humanos conseguem se constituir em coletivos inteligentes, em sujeitos cognitivos, abertos, capazes de iniciativa, de imaginação e de reação rápidas, melhor asseguram seu sucesso no ambiente altamente competitivo que é o nosso. Nossa relação material com o mundo se mantém por meio de uma formidável infra-estrutura epistêmica e de software: instituições de educação e formação, circuitos de comunicação, tecnologias intelectuais com apoio digital, atualização e difusão contínua dos savoir-faire... Tudo repousa, a longo prazo, na flexibilidade e vitalidade de nossas redes de produção, comércio e troca de saberes. (LÈVY, 2007, 19).

Desse ponto de vista, o weblog torna-se uma realidade enquanto ferramenta de comunicação na rede e, portanto, tem demandado linguagem própria utilizando como técnica a escrita meio de divulgação de informações e saberes na rede. Por outro lado, é fundante a compreensão de que a interação verbal suscitada no weblog ocorre de maneira assíncrona, isto é, se postam informações e, depois de algum tempo, os interlocutores postam seus comentários na rede.
Atividade estético-discursiva no weblog
Importa dizer que a relação entre o autor e o texto proposta pela dinâmica da internet se inscreve numa arqueologia da demanda e ação diligente contínua dos agentes discursivos que promovem a interação verbal, estética e discursiva, usando a tecnologia intelectual; escrita como mecanismo de ação.
Para Bakhtin (2000) a afinidade do autor com o lócus discursivo, tal como se registra na arquitetura comunicacional da internet e em sua vivacidade, precisa ser vista tanto do ponto sistêmico da relação hierárquica na qual as individualidades se revestem de autoridade do que diz.
O autor, desse ponto de vista é de certa maneira monitorado pela audiência à medida que ela [audiência] coloca em plano associativo os sentidos existentes no discurso.

[...] um autor modifica todas as particularidades de um discurso [grifo meu], seu traços característicos, os episódios de sua vida, seus atos, pensamentos, sentimentos, do mesmo modo que na vida, reagimos com juízo de valor a todas as manifestações daqueles que nos rodeiam: na vida, todavia, nossas reações são díspares, são reações a manifestações isoladas e não ao todo do homem, e mesmo quando o determinamos enquanto todo, definindo-o como bom, mau, egoísta, etc., expressamos unicamente a posição que adotamos a respeito dela na prática cotidiana, e esse juízo o determina menos do que traduz o que esperamos dele; ou então se tratará apenas de uma impressão aleatória produzida por esse todo ou, enfim, de uma má generalização empírica. (BAKHTIN, 2000, p, 25)

É nesse confronto entre o individual e coletivo em que se ancora a existência do autor da linguagem no weblog, pois à medida que ele se pronuncia deixa vir à tona questões de sua personalidade e também de seu fazer na comunidade onde atua.
Dessa maneira, a comunicação via weblog tem em sua base um autor que cria e socializa as manifestações isoladas de si, bem como dos demais em busca de reações que podem vir em tempo real ou no devir do espaço. Na verdade, esse autor é visto pelos membros da comunidade como uma espécie de herói contemporâneo, pois consegue expressar-se a maneira que todos o compreendam, mesmo que este às vezes cometa desvios e, assim, constrói um código secreto, vindo a ser uma antilinguagem àqueles que não conhecem o espaço ou que não dominam a linguagem realizada pelo grupo.
Nesse contexto, Bakhtin (2000) reconhece a autoridade do autor no ato de interação verbal, quando este se posiciona à pratica de uma atividade estético-discursiva perpassada por

[...] reação global ao todo herói cujas manifestações isoladas adquirem importância no interior do conjunto constituído por esse todo, na qualidade de componentes desse todo. Essa reação a um todo é precisamente específica da reação estética que reúne o que a postura ético-cognitiva determina e julga e lhe assegura o acabamento em forma de um todo concreto-visual que é também um todo significante. (BAKHTIN, 2000, p. 26).

Ver-se que esta ação postulado por Bakhtin é recorrente na intercomunicação no weblog, uma vez que os cibernautas desse espaço concretizam-se como sujeitos da enunciação estético-discursiva pautando-se nas sociossemioses possibilitadas pelo meio. Isto é, reconhece-se que a atividade estético-discursiva realizada no weblog passa pelo reino do aleatório que, por seu turno determina a ação dos sujeitos envolvidos no processo de enunciação.
Como em todo processo de criação estético-discursivo – literário, jornalístico, comunicativo – o autor no weblog não só é proativo quanto reativo às criações aleatórias que o fazem afastar-se de si e dos membros da cibercomunidade onde virtual reside, quando passa a considerar várias semioses:
[...] muitos disfarces, mascaras aleatórias, gestos falsos, atos inesperados que dependem das reações emotivo-volitivas do autor; este terá de abrir um caminho através do caos dessas reações para desembocar em sua autêntica postura de valores e para que o rosto da personagem se estabilize, pro fim, em um todo necessário. (BAKHTIN, 2000, p. 26).

Com esse ato intuitivo e criativo a linguagem no weblog é posta em destaque, isto é, cada indivíduo ao se pronunciar via ciberespaço põe a lume seu modo de ser e fazer, entretanto, às vezes não ver sua criação estético-discursiva, sendo objeto de compreensão no instante que a produz, ficando assim, à espera de interlocução a qual pode vir a posteriori.
No que se refere aos sentidos presentes nesse ato, Bakhtin considera que não há ideal de sentido proposto apenas numa ação estético-discursiva isolada, ao contrário, o autor em suas “confissões sobre a sua obra ou no que formular sobre o processo de seu ato criador” (BAKHTIN, 2000, p. 27), pressupõe-se ainda que o dizer de um autor vá além do considerado, ou seja, ao refletir a respeito de sua posição no ato enunciativo eivado de proposições emotivo-evolutivas de seu ser e não só de sua pratica lingüística no ciberespaço, concretiza-se enquanto ser da criação estético-discursiva no weblog. “[...] autor cria, mas não vê sua criação em nenhum outro lugar a não ser no objeto ao qual deu uma forma; em outras palavras, ele só vê o produto em devir em seu ato criador e não o processo psicológico interno que preside a esse ato” (BAKHTIN, 2000, p. 27).
Acontece, por certo, que no ciberespaço é recursivo o autor converter seu discurso individual em ação estético-discursiva à qual atribui perspectiva ética, social e política com o objetivo de fazê-la verdadeira, fundindo-a no princípio estético da relação com o qual os sujeitos alijados do processo social sejam reconhecidos como seres importantes. Assim sendo, o autor com sua maneira de ser pessoa cujo aspecto físico, contexto de vida promove uma visão de mundo que lhe são próprias na representação realizada por meio da atividade estético-discursivo possível no espaço comunicacional do weblog. Onde “[...] a propagação de uma idéia é substituída pelo que denominamos uma encarnação do sentido daquilo que existe” (BAKHTIN, 2000, p. 30).
Dessa maneira, infere-se que os sentidos atribuídos à produção estético-discursiva realizada no weblog é uma forma com a qual os cibernautas lidam diariamente com suas angústias individuais e, coletivamente, as socializam na rede por meio de uma sociossemiose em que pesa o fazer secreto e ou antilinguagem recorrente na enunciação dos autores.
Considerações temporárias
Diante da perspectiva apresentada e discutida nesse texto junto com as apropriações feitas dos autores e estudiosos citados, chega-se a compreensão temporária de que o weblog substanciado pelas tecnologias de informação e comunicação – TICs – , sendo estas entendidas como linguagem, possibilita cada vez mais a socialização de emoções e sentimentos por meio de uma escrita pautada na revelação das intimidades de seus autores.
Por outro lado, distingui-se o fato de que as tecnologias intelectuais perpassadas pelas sociossemioses do ciberespaço criam pontos de significância entre o dito e o pretendido do cibernauta, criando assim, uma atividade enunciativa em que discurso e autoria se imbricam de tal modo que nem sempre é possível situá-lo no plano da linguagem, ou seja, o ser da linguagem e da tecnologia intelectual é ontológico em essência estético-discursiva.

Referências
BAKHTIN, Makhail. Estética da criação verbal. São Paulo: Hucitec, 2000.
LÈVY, Pierre. As tecnologias da inteligência. Trad. de Carlos Irineu da Costa. Rio de Janeiro: Ed 34, 1993.
______ O que é virtual. Rio de Janeiro: Ed 34, 1996
LIMA JR. Arnaud Soares de. A escola no contexto das tecnologias de comunicação e informação: do dialético ao virtual. Salvador: EDUNEB, 2007.
______ Tecnologias inteligentes e educação: currículo hipertextual. Rio de Janeiro: Quartet, 2005.
LIMA JR. Arnaud Soares de; HETKOWSKI, Tânia Maria. Educação e contemporaneidade: desafios para a pesquisa e a pós-graduação. Rio de Janeiro: Quartet, 2006.
MAFFESOLI, Michel. A contemplação do mundo. Tradução de Francisco Franke Settineri. Porto Alegre: Artes e Ofícios, 1995.
______. Notas sobre a pós-modernidade: O lugar faz o elo. Rio de Janeiro: 2004.
______. Sobre o nomadismo: vagabundagens pós-modernas. Rio de Janeiro: Record, 2001.