domingo, 4 de novembro de 2007

MORTE DE VELHOS: FIM DO SABER E DA TRADIÇÃO

Este ensaio pretende colocar na ordem do dia, a questão da preservação das memórias socioculturais de velhos, nos grupo de tradição oral, especialmente, nas comunidades sertanejas onde a cultura e os saberes são eminentemente transmitidos oralmente pelos mais velhos. Assumimos esta preocupação desde o momento em que percebemos que, alguns saberes veiculados na sociedade irecense têm suas fontes de transmissão à fala de anciãos que, por décadas, foram experienciando e armazenando na memória informações e fatos religiosos, políticos e históricos. Todavia, agora, estão em risco devido eles não terem sido escolarizados o suficiente para registrar seus conhecimentos para a posteridade por meio de algum instrumento de fixação do saber.
Assim sendo, inferimos que a cultura local a cada dia perde suas bibliotecas humanas, isto é, à medida que um velho morre, com ele, são enterrados saberes importantes à compreensão e reconstrução das identidades locais. Então estes saberes mitológicos e empíricos por eles [velho] armazenados ficam relegados ao segundo plano e, portanto, morrerão a cada dia um pouquinho. De acordo com Pierre Lévy, os saberes práticos constituintes destas memórias fazem parte da comunidade viva. Por isso, se tornam virtuais, conforme deslocam seus agentes nos espaços sociais, isto configura nesta região algo que incomoda, porém é um fato: somos uma sociedade de tradição oral, cujas características medievais mantidas nos causos e tradições religiosas levam a crer que a escrita, aqui, está restrita aos registros oficiais.
Para Lévy (2000), nestas comunidades onde a escrita ainda não foi usada em sua plenitude, certamente, não será por que os jovens, hoje, procuram saberes e informações nos ciberespaços. Então, “o carregador direto do saber não será mais a comunidade física e sua memória carnal, mas sim o ciberespaço, a região dos mundos virtuais pelo intermédio dos quais as comunidades descobrem e constroem seus objetos e se conhecem como coletivos inteligentes.”
Assim sendo, torna-se imprescindível que as memórias e os saberes dos velhos sejam valorizados e registrados em memórias, sejam virtuais ou fixas para que as novas gerações as tenham como referência de seu passado. Há de ressaltar aqui, algumas iniciativas: na academia temos os estudos de Éclea Bosi nos quais são registradas as experiências e culturas dos caipiras do interior de São Paulo no seu clássico Memória e sociedade (1994) e, no lócus regional temos o ainda não canônico, mas igualmente importante livro Irecê, a saga dos migrantes (2004) de Jackson Rubens no qual, o autor registra por meio dos princípios de ficção-histórica os relatos dos velhos migrantes que colonizaram a região de irecê nas primeiras décadas do século passado.
Conforme metaforiza Lèvy (2000), a morte de um velho representa a destruição de uma biblioteca virtual pelo fogo da ignorância, visto que a este ser não foi oportunizado a transmissão e o registro e aproveitamento de seus conhecimentos pela comunidade. Até porque esta comunidade é, per si, fundada no princípio da oralidade. Assim sendo, caberá as escola e a universidade promover os registros desses conhecimentos em seus bancos de dados.
É com esse objetivo que estamos trabalhando no projeto: O vídeo: uma construção estética do conhecimento, (Walnice Paiva, Robério Barreto e colegas do câmpus XVI) na perspectiva de garantir, mesmo que no espaço cibernético publicizar e valorizar os saberes dos velhos, evitando assim, que estas enciclopédias de saberes populares se percam no pós-mortem.
Além disso, estes procedimentos permitiram consultas e reconstrução das identidades e discursos proferidos em momentos específicos em que a comunidade promovia e vivencia sua tradições e culturas.