quarta-feira, 8 de agosto de 2007

CONVERSAÇÃO: A (RE) COMPOSIÇÃO DA IDENTIDADE SOCIAL

A produção intelectual e cientifica na/da Universidade precisa ser vista como um apêndice da vida cotidiana. Assim sendo, O dicionário oral lingüístico da microrregião de Irecê vem ao encontro da necessidade de se ter um registro das expressões lingüísticas, no qual fiquem anotados os resultados das atividades de pesquisas e ensino e extensão, desenvolvidos por docentes e discentes no âmbito regional, uma vez que a Universidade tem em seu quadro docente e discente uma heterogeneidade de pensamentos e culturas advindas de várias cidades da região de Irecê, podendo realizar por meio de produções escritas, o mapeamento lingüístico e semântico dos discursos proferidos pelas comunidades locais, uma vez que estas diuturnamente recriam novas expressões a partir de vocábulos extraídas das experiências de fala cotidiana, dando-lhes conotações que se ajustam aos seus processos comunicativos, determinando ainda os lócus para seus devidos usos.
Em verdade, O dicionário oral lingüístico da microrregião de Irecê surge como espaço de divulgação do saber empiricamente construído pelos falantes da microrregião de Irecê. A partir de agora se torna saber científico, pois estudantes e professores do Colegiado de Letras do Câmpus XVI, o concretiza com intuito de auxiliar os profissionais da educação engajados em melhorar suas práticas educativas e lingüísticas, entretanto, não dispunham de meios que pudessem lhes orientar na discussão uso de idéias inovadoras no ensino de linguagem no cotidiano de sala de aula.
Dessa maneira, esta obra técnico-lingüística justificar-se-á ao devir, isto é, conhecer-se-á o que de fato O dicionário oral lingüístico da microrregião de Irecê representa para a comunidade acadêmica e educacional quando os conteúdos de seus verbetes forem discutidos pelos professores e, conseqüentemente colocados em prática na sala de aula e no diário das estudantes do ensino básico numa tentativa de melhorar a qualidade da educação lingüística do povo que a realiza livre mente, sem, contudo, entender a importância de tais vocábulos na (re)composição da identidade da sociedade, a qual, por seu turno, é resultante da “diáspora da diáspora”, isto é, sertanejos que migraram de outras partes do nordeste, chegaram a Irecê e tiveram a oportunidade de se fixar por algum, outros fizeram dessa região apenas ponto de paragem para, mais tarde, seguirem seu curso migratório, conquanto neste ínterim, deixaram como herança, expressões regionais que passaram a compor o repertório lingüístico e semântico da comunidade local.
Como se sabe, a produção lingüística de um povo é “bem simbólico”, assim como os são: a cultura, a literatura e as artes. Portanto, a elaboração desta obra os estudantes-pesquisadores partiram da perspectiva teórico-metodológica de que a compreensão da linguagem produzida e exercitada por determinada comunidade é a referência que a comunidade científica tem para compreender a gênese de seu usuário. Então, O dicionário oral lingüístico da microrregião de Irecê se insinua neste objetivo; mostrar aos profissionais da educação básica, profissionais das letras, da cultura e pesquisadores interessados no assunto que “língua é uma capacidade inata do homem, que lhe permite reconhecer as sentenças, atribuindo-lhes uma interpretação semântica, ou produzir um número infinito de sentenças, atribuindo-lhes uma representação fonológica.” (Castilho, 2004, p.11).
O glossário em questão faz-se científico, à medida que traz expressões do falar sertanejo para o espaço da escrita. Em seguida, faz dos turnos conversacionais correntes no sistema lingüístico local, marcadores da identidade desse povo, cuja tradição e cultura são passadas por meio da oralidade, isto é, o homem do agreste ao longo dos séculos garantiu a sobrevivência estilística e estética de sua linguagem usando a conversação como tecnologia para informar aos seus a respeito dos acontecimentos que o trouxe até aqui. “A conversação é uma atividade lingüística básica. Ela integra as práticas diárias de qualquer cidadão, independentemente de seu nível sócio-cultural. A conversação representa o intercurso verbal em que dois ou mais participantes se alternam, discorrendo livremente sobre tópicos propiciados pela vida diária.” (Castilho, 2004, p.29). Ainda seguindo este raciocínio, é interessante que se veja a importância desse trabalho sob inferência que do valor que a oralidade tem na vida do “homem do povo”, porque a “conversação é a primeira das formas da linguagem a que estamos expostos e provavelmente a única da qual nunca abdicamos pela vida a fora” (Marcuschi, 1986, p.14).
A partir desta tese e, sabendo que os elementos conversacionais são intermináveis e, melhor ainda, gratuitos; os organizadores de O dicionário oral lingüístico da microrregião de Irecê verificaram também como os verbetes são segmentados conforme mapeamento feito durante a pesquisa. No município de Barra do Mendes, os falantes dão sentidos diferenciados para os mesmos vocábulos usados pelo povo da cidade de Central, visto que ambos são resultantes de processos de colonização diferenciados. Diante disso, o leitor terá oportunidade de compreender o porquê das pessoas usarem as mesmas palavras com sentidos diferentes em contextos conversacionais também distintos.
Com a publicação desta obra, os profissionais da linguagem e estudantes de letras e interessados no assunto passam a ter uma referência científica para edificarem suas opiniões sobre a produção lingüística do homem do sertão, o qual em sua complexidade é “antes de tudo um artesão da linguagem” dando à língua nacional beleza estética que a faz diferente das demais vertentes praticadas no território brasileiro. Portanto, a despeito de sua natureza acadêmica O dicionário oral lingüístico da microrregião de Irecê apresenta poeticidade em seus verbetes, em virtude da autoria das expressões advirem dos “homens do povo” o qual transformou e adapto lingüístico e semanticamente procedimentos complexos da língua, em matéria de “saber popular” através dos quais, a sociedade indistintamente se delicia em longos e demorados banquetes conversacionais em meio à apreciação da vida simples e bela do sertão.
Robério Pereira Barreto
Professor-Poeta e escritor
Em Crepúsculo frio de 08 de agosto de 2007.