quinta-feira, 22 de abril de 2010

CANÇOES DE NINAR:  ENTRE ANJOS E FERAS☻




Antes de adentramos no elemento temático deste trabalho – A manipulação do corpo infantil a partir das canções de ninar – façamos, pois, um passeio pelos usos que pais e babás fazem das canções de ninar. Normalmente, as canções selecionadas por eles para embalar o sono das crianças são culturalmente formatadas a partir do poder dos seres sobrenaturais (Cucas, Boi da cara-preta, Bicho do mato, Bicho papão, etc.) existentes nos textos que as compõem. Portanto, isso parece demonstrar que eles [pais] perderam o controle sobre as vontades das crianças e (in)conscientemente apelam para esse tipo de discurso, cujo ritmo e sonoridade fixam na mente dos pequenos algo paradoxal: a possibilidade de ter um sono tranqüilo conquanto anjos se mistura com as feras mostradas por aqueles que deveriam os proteger. Com efeito, compreendemos que, a todo o momento, há nessa atividade o resgate de elementos que historicamente cristalizam o poder do adulto, fixando assim, nos seres humanos em desenvolvimento a disciplina, usando a figura do medo. Isso nos remete ao pensamento foucaulteano que discorre sobre os corpos dóceis. As crianças por essência são corpos manipuláveis, e assim os protetores têm nas canções de ninar o instrumento perfeito para tanto. Parafraseando Michel Foucalt diríamos que, o corpo e a mente da criança são postos num esquema em que o poder dos adultos os esquadrinham de tal sorte que ela torna-se disciplinada. “Esses métodos que permitem o controle minucioso das operações do corpo, que realizam a sujeiçao constante de suas forças e lhes impõem uma relação de docilidade-utilidade, são o que podemos chamar as disciplinas. ”Para exemplificar o que estamos discutindo, seguem fragmentos de canções de ninar mais conhecidas na cultura popular brasileira: Boi, boi, boi/Boi da cara preta,/pega essa criança/Que tem medo de careta.(Boi da cara-preta); Bicho do mato,/que come mandubi ,/ pega essa criança/que não quer dormir. (Bicho do mato); Dorme nenen,/Que a cuca vem pegar,/Papai foi na roça, Mamãe foi passear .(Cuca). Conforme já mencionamos, este tipo de atitude apenas reforça o poder que os adultos exercem sobre os corpos infantis, causando neles marcas psicológicas que os acompanharão por toda a vida. Entendendo que a palavra em sua essência busca a imagem, logo vimos que tais textos estão carregados de imagens negativas e, por isso, as crianças que ouvem essas canções rotineiramente terão sua imaginação voltada para tendências maniqueístas, ou seja, aquelas que seguirem os ensinamentos pré-estabelecidos pelo corpo social, ora representado pelos pais ou babás [dormir na hora certa sem chorar ou protestar quando estiver sentido algo] terão a companhia dos anjos. Já as que se recusarem terão em seus sonhos a presença de feras e monstros. Com efeito, nesses discursos a significação poética visa à fixação das imagens a partir do ritmo e da sonoridade das palavras. Nessa perspectiva é importante destacarmos que, as canções de ninar são cantadas em horários fixos, indicando que desde cedo o ser humano tem regras para seguir. Portanto, eis aí os primeiros elementos que indicam que “o tempo penetra o corpo, e com ele todos os controles minuciosos do poder .” Concluindo provisoriamente, esta receita tradicional [embalar o sono sob som de cantigas de ninar] é manter ações coercitivas sobre o corpo e a mente da criança, a pretexto de que; a arte e música a mantêm calma. Entretanto, o uso dessa técnica, disciplinará a criança para a execução dos desejos dos adultos [pais e babás ocupados com a correria da vida moderna] e, que precisa estar livre o maior tempo possível, aplica-lhe tais regras sob o pretexto da iniciação ao conhecimento artístico e popularmente aceito.