quarta-feira, 19 de novembro de 2008

A ESCRITA TECNOLOGIA INTELECTUAL

Não é suficiente conceituar ler e escrever, é fundamental desejar e possibilitar sua realização. Barreto, 2004.

Para Lévy (1999), a escrita nos nossos meios de comunicação contemporâneos encerra em si mesma, o poder de registrar acontecimentos e reorganizar o papel das ciências. Por isso, ele considera que a interpretação dos sentidos encontra seus fundamentos na escrita, porque “o alfabeto e a impressão, aperfeiçoamentos da escrita, desempenharam um papel essencial no estabelecimento da ciência como modo de conhecimento dominante”.[1]
As escritas desenvolveram na comunidade instrumentos de significação e símbolos que levaram o homem contemporâneo a questionar a oralidade. Isto é, a comunicação na sociedade era realizada através da oralidade, quando os cidadãos transmitiam seus conhecimentos, mitologias e lendas de “boca a boca”. Logo, precisaram de um instrumento que guardasse física e organicamente as idéias construídas na comunidade. Com isso, a escrita ganha ares de tecnologia. A exemplo disso, está a literatura a qual com o domínio das tecnologias da escrita passou a ocupar lugar significativo na vida social das pessoas. Embora saibamos que nesse período uma parte significativa da população do século XIX, não tinha formação escolástica. Portanto, segundo Lèvy “(...) compreender o lugar fundamental das tecnologias da comunicação e da inteligência na história cultura nos leva a olhar de uma nova maneira a razão, a verdade, e a história, ameaçadas de perder sua preeminência na civilização da televisão e do computador.”[2]
A escrita como tecnologia de comunicação, tornou possível o acesso da massa a conhecimentos que antes eram transmitidos a sociedade por meios de conversas em que as experiências coletivas se mantinham guardadas na memória, formando assim, imagens na ecologia cognitiva do sujeito. Por isso Lévy afirma que a invenção da escrita está relacionada com a invenção da agricultura.
A escrita foi inventada diversas vezes e separadamente nas grandes civilizações agrícolas da Antiguidade. Reproduz, no domínio da comunicação, a relação com o tempo e o espaço que a agricultura havia introduzido na ordem da subsistência alimentar. O escriba vaca sinais na argila de sua tabuinha assim como o trabalhador cava sulcos no barro de seu campo. É a mesma terra, são instrumentos de madeira parecidos, a enxada primitiva e o cálamo distinguindo-se quase que apenas pelo tamanho. (...) A agricultura, pelo contrário, pressupõe uma organização pensada do tempo delimitado, todo um sistema do atraso, uma especulação sobre as estações. Da mesma forma, a escrita, ao intercalar um intervalo de tempo entre a emissão e a recepção da mensagem, instaura a comunicação diferida, com todos os riscos de mal-entendidos, de perdas e erros que isto implica. A escrita aposta no tempo.
De acordo com a ótica do autor, podemos compreender que a escrita dialetiza os conhecimentos, pois se transforma à medida que a comunidade lhe da funcionalidade. Na história mais recente (século XIX) a escrita transformou-se em tecnologia de comunicação avançada a partir da compreensão de que “a arte (literatura) é um sistema simbólico de comunicação inter-humana, e como tal interessa ao sociólogo.”[3] Com isso foi possível que a população tivesse acesso a informações que traduzia suas classes sociais. A exemplo disso, temos os folhetins os quais revolucionaram a atividade literária e escrita na França e, por conseguinte no Brasil romântico.
Associar a escrita à burguesia é, sem dúvida, correr o risco de ser redundante. Por isso, acreditamos que a escrita como todos os instrumentos tecnológicos de comunicação serviu mais diretamente aos ideais dominantes do que às necessidades da massa. Corroborando conosco Lèvy argumenta que a escrita e o Estado mantiveram relações íntimas. O Estado serviu-se dos princípios orientadores e misteriosos da escrita para manter a ordem de seu discurso sem que houvesse questionamentos (lembremo-nos que a maioria da população ainda não domina a escrita e a leitura. Portanto, absorvem os discursos orais e imagéticos produzidos por aqueles que conhecem o universo da escrita. Por isso, talvez, a televisão ocupe cada vez mais o espaço do livro em nossa sociedade).
Através da escrita, o poder estatal comanda tanto os signos quanto os homens, fixando-os em uma função, designando-os para um território, ordenado-os sobre uma superfície unificada. Através dos anais, arquivos administrativos, leis, regulamentos e contas, o Estado tenta de todas as maneiras congelar, programar, represar ou estocar seu futuro e seu passado. (...) A escrita permite uma situação prática de comunicação radicalmente nova. Pela primeira vez os discursos podem ser separados das circunstancias particulares em que foram produzidos.

Para concluir temporariamente, entendemos que a escrita se tornou na sociedade contemporânea mais que instrumento tecnológico é, portanto, ferramenta social, ideológica que permite, embora de forma unilateral a participação da comunidade no registro de seus feitos.
[1] PIERRE, LÈVY. As tecnologias da inteligência: o futuro do pensamento na era da informática. São Paulo: Editora34, 2000, p. 87.
[2] Idem.
[3] CANDIDO, Antonio. Literatura e sociedade. 8. ed. São Paulo: T.A. Queiroz, 2000. p. 21.

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