terça-feira, 11 de novembro de 2008

TEMPO DE LEMBRAR...”: RESSIGNIFICANDO DO SABER DO IDOSO



Acudid a mis venas y a mi boca.
Hablad por mis palabras y mi sangre
Pablo Neruda, Canto general


Este artigo traz à baila observações feitas por meio de estudo de caso realizado na turma da Melhor idade, participante da Universidade Aberta à Terceira Idade – UATI – do DCHT, Campus XVI, Irecê – BA, da Universidade do Estado da Bahia. Nesse espaço há predomínio de saberes femininos, isto é, dos mais de trinta matriculados, há apenas dois senhores participantes ativos, os demais, senhoras.
Assim sendo, pôde-se perceber que os discursos se voltam para as atividades relativas às suas vivências de mulher, mãe, dona de casa, etc. lugares de fala que determinam origens e culturas que revelam as grandezas de cada uma, como sujeitos de suas histórias.
Nesse contexto aplicaram-se como metodologia os princípios da etnopesquisa porque se acreditou que seria necessário criam uma ambiente de confiança entre pesquisador e pesquisado. O que de fato ocorreu. Com efeito, recorreu-se também aos fundamentos da psicologia social, visto que se tratava de um grupo de sujeitos que ali estavam para se fazerem ouvi como agentes ativos da/na história e cultura locais.
Preferiu-se, portanto, partir do pressuposto de que os observados mais teriam para ensinar do que para aprender. Então, se seguiu o ideal de que, por se tratar de indivíduos situados social e historicamente numa comunidade de tradição oral, seria coerente atiçar suas memórias individuais e coletivas por meio de discurso dessa natureza; por isso o uso da música como instrumento instigação. “todo o edifício cultural está fundado sobre as lembranças dos indivíduos. A inteligência, nestas sociedades, encontra-se muitas vezes identificada cm a memória, sobretudo com a auditiva.” (LÉVY, 1993, p. 77).
Em seguida, vieram as associações de signos armazenados na memória de cada um dos observados. Desse modo, o contexto tornou-se o próprio meio e alvo da interação comunicativa.
Ainda seguindo a perspectiva de que os idosos são sujeitos que carregam consigo significativa bagagem de signos socioculturais e que precisam de ocasiões excepcionais para se expressarem; lembrando que, um dos objetivos da UATI é proporcionar domínios comunicativos nos quais, cada participante interpreta a sua maneira signos propostos pela ecologia cognitiva do meio discursivo. Assim sendo, segundo Lévy (1993)
O sentido emerge e se constrói no contexto, é sempre local, datado, transitório. A cada instante, um novo comentário, uma nova interpretação, um novo desenvolvimento podem modificar o sentido que havíamos dado a uma proposição.” [...] Quando ouço uma palavra, isto ativa imediatamente em minha mente uma rede de outras palavras, de conceitos, de modelos, mas também de imagens, sons, odores, sensações proprioceptivas, lembranças, afetos, etc. (LÉVY, 1993, p. 23).

Por isso os atores comunicativos ao se pronunciarem desse lugar de fala, deixavam vir à tona toda sua existência

Através de seus atos, seu comportamento, suas palavras, cada pessoa que participa de uma situação estabiliza ou reorienta a representação que dela fazem os outros protagonistas. Sob este aspecto, ação e comunicação são quase sinônimas. A comunicação só se distingue da ação em geral porque visa mais diretamente ao plano das representações. (LÉVY, 1993, p. 21).

O sentido atribuído pelo desenvolvimento sistemático das palavras em determinados instantes leva-as ao dialógico, isto é, ao se disponibilizar as canções Asa branca, de Luiz Gonzaga para audição dos idosos, percebeu-se que todos ativaram suas redes semânticas, buscando reorganizar suas imagens e sentidos no tempo e espaço da enunciação. Por isso, nas palavras de Lévy (1993)

O objetivo de todo texto (neste caso a música Asa Branca) é o de provocar em seu leitor um certo estado de excitação da grande rede heterogênea de sua memória, ou então orientar sua atenção para uma certa zona de seu mundo interior, ou ainda disparar a projeção de um espetáculo multimídia na tela de sua imaginação. (LÉVY, 1993, p. 21).

Com efeito, viu-se com essa atividade a revalidação do conceito de memória de longo prazo,os indivíduos a serem solicitados a associar objetos a título de música o fizeram significativamente, chegando inclusive discorrer sobre suas vidas quando, pela primeira vez ouviram as referidas canções. “Era menina nem me lembro quantos anos tinha, lá na roça e escutei no rádio do vizinho passando essa música, era bem no mês de agosto, estava tudo seco e feio.”[1]
Sabe-se que a capacidade de conhecer e reconhecer signos e domínios sociais se constrói na interação entre os sujeitos e os meios de comunicação, esse pertencimento serve para que cada um que participe dessa interação seja colocado como ser humano, antes de qualquer coisa. “A inteligência é um aspecto da totalidade do sujeito que, como os outros, assim irá se desenvolver. [...] sua interação dar-se-á com objetos, formas de agir e pensar diferentes.” (FAGUNDES, 1991, p. 175).
Viu-se, portanto, que as memórias dos participantes do curso foram avivadas a partir daquilo que Lèvy chama de inteligência coletiva, na qual todos se ajudam na compreensão dos significados dos signos que lhes foram propostos.

Referências

LÈVY, Pierre. Inteligência coletiva:por uma antropologia do ciberespaço. 5. ed. São Paulo: Loyola, 2007.
GUATTARI, F. As três ecologias. 4. ed. Campinas: Papirus, 1993.

* Professor de Linguagens e Lingüística da Universidade do Estado da Bahia – UNEB – DCHT – campus XVI – Irecê-BA.
[1] Depoimento de uma senhora participante das atividades realizadas na oficina Recordar é viver..., ministrada pelos universitários do 5° semestre de pedagogia que, por questões de preservação de identidade não será divulgado o nome.

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