sexta-feira, 13 de julho de 2007

CULTUS E CIVILIS: DICOTOMIAS DA PÓS-MODERNIDADE

O conceito de cultura é usado com acepções múltiplas, desde a mais simples e abstrata até a mais complexa e abrangente. O mesmo ocorre com termo identidade, sobretudo quando é levado ao plano cultural e lingüístico.

Nesse ensaio, busca-se discutir o primado da cultura a partir da ótica da colonização, tendo como recorte os acontecimentos ocorridos nas duas últimas décadas do século passado, quando na região de Irecê - BA, o ciclo do feijão , década de 80 promoveu um deslocamento na migração nordestina. Para isso, toma-se como referência o pensamento de Alfredo Bosi, em Dialética da colonização, através do qual se toma conhecimento a respeito dos conceitos de cultura empregados para designar as relações do homem com a comunidade na qual está inserido.
Toma-se aqui de empréstimo do latim, colo que, segundo Bosi (1996, p.11), na língua de Roma, “eu moro, eu ocupo a terra, eu trabalho, eu cultivo o campo” o que se aplica à nossa realidade representa bem o movimento dialético ocorrido na comunidade na região de Irecê - BA nos dois últimos decênios. Ou seja, viemos para cá sob perspectiva do colo, no sentido literal do termo, migrantes nordestinos, sobremodo, paraibanos e pernambucanos viram aqui oportunidades de se transformarem em donos de suas próprias terras e, com isso construírem suas vidas tanto no plano econômico como no político.
Os fatos e a história da região dão-nos conta de que houve de maneira seqüencial “o deslocamento” que os agentes sociais fazem do seu mundo (sis) de vida para outro onde irão exercer a capacidade de lavrar ou fazer o solo alheio. O íncola que emigra, torna-se colonus”, pondera Bosi. Isto foi um continuum na região por aproximadamente vinte anos (1979 – 1990), havendo um crescimento da economia de modo que a cidade de Irecê - BA recebeu o título de “capital do feijão”, o qual foi noticiado pela a imprensa nacional, atraindo durante aquele período, centenas de migrantes em busca de melhores condições de vida, muito embora trouxessem pouco a oferecer (mão de obra nem sempre especializada) à sociedade local em termos culturais, artísticos, sociais e humanos, uma vez que o conhecimento acumulado que traziam consigo, não serviam aos locais. Entretanto, “A colonização dá um ar de recomeço e de arranque a culturas seculares”. (Bosi, 1992, p.12).
Para Ferreira Gullar “o novo é para nós, contraditoriamente, a liberdade e a submissão” se se quer entender isso como iniciação ao processo dialético da colonização, se observa então como os nativos têm reagido às interferências das correntes migratórias no processo cultural do Estado; são indiferentes num primeiro momento, noutro agressivos. Contudo, não resistem às pressões sócio-econômicas dos migrantes e acabam deixando-se suplantar, até porque, a força da corrente migratória é híbrida e, portanto, dilui-se, evitando ser atacada em suas bases.
É por isso que “a colonização não pode ser tratada como uma simples corrente migratória: ela é a resolução de carência e conflitos da matriz e uma tentativa de retomar, sob novas condições, o domínio sobre a natureza e o semelhante que tem acompanhado universalmente o chamado processo civilizatório”. (Bosi, 1992, p. 13)
Na verdade, a colonização vai aos poucos se construindo através das forças simbólicas, as quais são mediadas pelo Estado e com o apoio dos meios de comunicação de massa. No caso específico da região de Irecê-BA, essa força foi mediada pelo próprio sistema, ou seja, foi a partir da década de setenta, que o Governo Federal incentivou o cultivo de feijão e mamona, dando assim um impulso significativo no processo de colonização da terra. Por outro lado, se iniciou problemas ambientais, pois a caatinga fora devasta em nome da plantação de feijão. Com isso, teve-se uma “invasão de íncolas” cujo objetivo era fazer a dominação dos naturais e, consequentemente, empregar tanto na terra quando na sociedade locais; hábitos e costumes advindos de suas origens. (veja-se o exemplos dos nordestinos e mais recentemente dos gaúchos na região de Barreiras, onde plantam soja, transformando-a em colônia, para, de modo simbólico manter suas tradições e origem. Portanto, “A colonização é um projeto totalizante cujas forças motrizes poderão sempre buscar-se no nível do colo: ocupar um novo chão, explorar os seus bens, submeter os seus naturais.” (Bosi, 1992, p. 15) tem razão em afiançar isso de maneira sistemática.
O colonizador vê o nativo como sujeito incapaz de promover as mudanças que ele supostamente as fariam se no seu lugar estivesse. Ainda no plano do empréstimo do latim, mudando-se, portanto de categoria gramatical; supino de colo chaga-se a culturus aqui tomado com significado amplo:Cultura é o conjunto das práticas, das técnicas dos símbolos e dos valores que se devem transmitir às novas gerações para garantir a reprodução de um estado de coexistência social. A educação é o momento institucional marcado do processo. (Bosi, 1992, p. 15)
Encontra-se no pensamento do autor, algo importante a ser dissecado antes de continuar a discussão, trata-se da “reprodução de um estado de coexistência social.” Isso bem entendido leva-se à percepção do por que de haver tantos centros de tradição espalhados por ai. Na realidade, esses centros tentam em sua manifestação, a busca de sua identidade, a qual já está hibridizada e, por isso, é buscada por meio de símbolos que revelem seu poder de dominação; saber é poder, conforme dizia Francis Bacon. Será isso um reflexo da civilização cultural pós-modernidade?

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