domingo, 24 de agosto de 2008

PROVERBIALIDADE NA COMUNICAÇÃO DO HOMEM DO POVO

Robério Pereira Barreto*

Ouve-se constantemente que o português que se fala nas ruas é diferente daquele que a escola ensina, bem como o que se pretende como instrumento de inclusão. Todavia, isso ganha novo entendimento a partir da aprovação da lei que estabelece o novo tratado de unificação da ortografia nos países lusófonos. Com isso, a língua portuguesa passa a ganhar e ocupar espaços nos fóruns internacionais, porque haverá maior intercambio de informações e textos nesse idioma.
Numa perspectiva prática, ganha espaço o idioma falado no Brasil e com ele vem à tona a comunicação do homem do povo, a qual é constituída por expressões populares, provérbios e frases feitas.
Sabe-se que, além disso, há corrente de lingüistas que sustenta que a fala é a forma fundamental e básica da linguagem e a escrita é apenas uma representação da fala em termos gráficos. E há também a tese contrária que afirma: “(...) a escrita é muito mais do que uma representação gráfica da fala. Há diferenças profundas entre a linguagem que utilizamos ao falar e a que utilizamos ao escrever: algumas dessas diferenças são de caráter gramatical, mas as mais importantes têm a ver com a maneira como estruturamos o próprio texto ao falar e ao escrever.” (Perini, 2004).
Para José Américo de Almeida em seu clássico A bagaceira, “não há quem não tenha seu pedaço de mau caminho. Há gente que anda de capas encouradas; quando menos se pensa, bota as mangas de fora.” É com base nesses comentários do escritor e do lingüista que se inicia a discussão sobre o folclore lingüístico que permeia nosso cotidiano de elementos que dinamizam a nossa comunicação.
Dessa maneira, pensar o folclore lingüístico conforme Herbert Palhano é reconhecer que existe dinamicidade na comunicação do povo, porque vivem nela elementos fundamentais para que se identifique o estágio evolutivo da língua na comunidade em que se produz tal idioma.

E não se diga, por isso, que o povo sempre fala mal. Muitas passagens há na sua parlenga que precisam ser vistas, não como simples erros, porém como estágios evolutivos do idioma; outras existem que, pela sua candura, avivam em nossa imaginação e lembrança do passado. Os escritores não as empregam hoje, mas o povo as conserva com as mesmas roupagens do período medieval.[1]

A partir dessa afirmativa, considera-se, portanto, que o folclore lingüístico é uma instituição abrangente e tem múltiplas facetas da linguagem popular. Isso demonstra que o homem do povo por meio de sua experiência vem perpetuando a cada geração a sobrevivência de elementos lingüísticos que o representa e mantém fixo sua identidade. Exemplo, provérbios e frases feitas que denotem “as lições de sabedoria” popular por meio da imaginação e espírito crítico do povo.
Relacionado a isso há ainda outro tipo de linguagem que acompanha esses saberes; gestos que nesse meio de comunicação do ser humano, seja qual for o seu grau de civilização e forma de sua cultura, pondera Weitzel.
É interessante lembrar que dentro desse quadro de compreensão do folclore lingüístico surge, portanto, a paremiologia popular na qual se evidenciam os saberes advindos da fala do povo. Trata-se na verdade de uma espécie de classificação na qual se agregam os ditados populares, os quais por sua vez se estruturam a partir de frases sentenciosas, concisa e que tem sua verdade assegurada na secular experiência do povo, e que tem como estrutura discursiva a poeticidade através da qual se garante a fixação no inconsciente coletivo.
Para Weitzel, o que assegura a permanência desse tipo de comunicação no meio social popular, são a simplicidade das palavras e a força rítmica do texto.

“O que faz a sua força e explica sua persistência no meio do povo é sua concisão, a profundeza do conceito, a construção quase sempre binominal, ritmada, e preferencialmente rimada, funcionando a rima como elemento embelezador e mnemônico.” (WEITZEL, 1995, p.118).

Nos ditados populares encontram-se questões de sentido que vão desde laconicidade até dogmatismo. O homem do povo, às vezes é descriminado linguisticamente em sua fala em virtude dela ser lacônica e desprovida de elementos de ação; verbo e ou vocábulos desnecessários. Ex. Doce quente, barriga doente; Perdido por um, perdido por mil.
Tais falas demonstram qual lacônica é a comunicação popular, entretanto, os usuários contínuos desse modo de expressão encontram seu lugar de fala e de escutar com a pertinência necessária para o entendimento do assunto tratado no grupo. Portanto, o laconismo na fala popular se traduz por ditos curtos e frases nominais conforme citado acima.
Além disso, tem aqueles ditados populares que ganham notoriedade devido ampla divulgação e aceitação pelo grupo, tendo inclusive, o poder de surpreender o ouvinte, pois parece que pronunciado pela primeira vez. Ex. Quem avisa amigo é. Quem com ferro ferre, com ferro será ferido. Antes só, que mal acompanhado.
Em continuidade à classificação do dito popular, existem aqueles que parece ter sido traduzido de outras línguas, todavia eles são conhecidos por povos de línguas diferentes, mas mantém sua significação e estrutura gramatical quando usado noutro idioma. Em português: Voz do povo, voz de Deus; em Latim: Vox populi, vox Dei; Espanhol: Voz del pueblo, voz del cielo. Francês: La voix du peuple est la voix de Deiu. Italiano : Voce di popolo, voc di Dio; Inglês : The people’s voice, God’s voice.
Estes exemplos demonstram a universalidade dos provérbios na produção discursiva do homem comum, bem como daqueles que se sentem diferentes social e culturalmente, porque os provérbios fazem parte da cultura oral das sociedades humanas.
Ainda nesse viés, ditados populares apresentam em sua constituição densidade semântica, exigindo dos interlocutores, interação e conhecimento sistemáticos, uma vez que são edificados em poucas palavras cuja profundidade de sentido leva a uma espécie de lição de vida, pois advém da longa experiência de quem os proferem. Ex. Diz-me com quem andas e te direi quem és; Quem com porcos se mistura, farelos come. Águas passadas não tocam moinho. Ver-se ai todo aprofundamento moral advindo dos saberes adquiridos pela observação e a vivências dos enunciadores.
Nesse contexto espraiam-se elementos afirmativos diante da autoridade que o adágio tem no meio social onde é enunciado. Então, a veracidade nele contida não carece de maiores explicações. Então, veja-se conforme segue: Quem chora não mama. Pede galinha não mata pinto. Um erro não justifica outro. Aqui, é fundamental que se busque a compreensão a partir do contexto, uma vez que se trata de mensagens carregadas de polissemia.
Em se tratando de elemento polifônico, é interessante a recorrência da generalização para garantir ao provérbio exatidão conforme as variadas circunstâncias em que se aplica. Ex. O cavaco não cai longe do pau. Quem cospe o caroço é que é dono da fruta. Filho criado trabalho dobrado.
Aos provérbios se aplicam as sabedorias populares e, com isso eles assumem um lugar prático na comunicação popular, evitando assim uso de retóricas. “Quando o citamos numa circunstância qualquer, temos a impressão de tê-lo inventado naquela hora, para atendermos àquela situação específica de fala.” (WEITZEL,1995, p.121). Ex. Quem vai na frente bebe água limpa.Chumbo trocado não dói. Achado não é roubado. Combinado não é caro.
Às vezes, quando se usa os provérbios em ocasião diferentes, colocando-os frente a frente pode ocorre contradição. Ex. Em boca fechada não entra mosquito./Quem cala consente. Os grandes venenos estão nos frascos pequenos./Os maiores perfumes estão nos menores frascos.
Além disso, os ditos populares vão além e buscam estabelecer parâmetros e, sobretudo, realçarem regras de conduta definidas ao longo dos séculos pela sabedoria humana, tendo seu maior suporte na questão da religiosidade. Conforme segue: Não se fala em corda em casa de enforcado. Boa romaria faz, quem em casa fica em paz. Não ria do mal vizinho, que o seu está a caminho. Há de se reconhecer que nem sempre na mensagem proverbial existe intenção moral. Às vezes, apenas enunciam um fato, apresentam uma verdade experimental, como: A cana só dá açúcar, depois de passar por muitos apertos. A formiga quando quer se perder, cria asas. Barata sabida não atravessa galinheiro.
No que se refere ao plano estético, tem se ai um ponto importante a ser considerando neste tipo de produção enunciativa; a forma. Esta, por sua vez traz em si elementos literários importantes, ou seja, nos ditados populares a forma é basicamente suportada por rima de sucessão regular, tendo tempos fortes e fracos. Ex. QUEM tem Boca, VAI a Roma. Água Mole em Pedra Dura/TANto Bate atÉ que Fura. Também há que se destacar a forma rimada na qual se evidencia a identidade de sons, ao final de cada verso, sendo este um poderoso recurso mnemônico. Grande gabador/Pequeno fazedor. Quem guarda como fome/O gato come/Segredo contado/É logo espalhado. Dando continuidade à forma, o adágio popular constantemente é construído com binômios. Ex. Casa de ferreiro, espeto de pau. Quem vai ao vento, perde o assento. Quem não tem cão, caça com gato. Porém, há provérbios que não tem binômio. Ex. Santo, quando vê muita esmola, desconfia. O uso do cachimbo põe a boca torta. Macaco velho não mete a mão em cumbuca.
Nesse percurso, tentou-se evidencia a importância paremiologia na comunicação do homem a partir da compreensão do Folclore lingüístico, sem, contudo, adentrar as questões de análise semântica ou pragmática, visto que se trata apenas de uma demonstração do poder da linguagem, quando esta é manipulada pelo o homem do povo em suas ações comunicativas.
Bibliografias consultadas:
BASSO, Renato; ILARI, Rodolfo. O português da gente: a língua que estudamos a língua que falamos. São Paulo: Contexto, 2006.
BURKE, Peter; PORTER, Roy. Línguas e jargões: contribuições para uma história social da linguagem. São Paulo: UNESP, 1997.
WEITZEL, Antônio Henrique. Folclore literário e lingüístico; pesquisa de literatura oral e de linguagem popular. 2 ed. EDUFJF, Juiz de Fora, 1995.
* Professor de Lingüística e linguagens – UNEB – Campus XVI – Irecê-BA.
[1] Herbert Palhano – A língua Popular.

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