domingo, 25 de maio de 2008

NEOREALISMO DAS RUAS: JORGE AMADO E NABIL AYOUCH

Este ensaio parte do princípio de que as linguagens artísticas sejam literárias, ou cinematográficas têm em suas essências elementos da realidade os quais são transformados pela abstração da arte. Em outros termos, o cinema como expressão artística oferece ao espectador-leitor uma linguagem híbrida em que se justapõem vários signos: imagético, sonoro e verbal. Com isso, a mensagem fílmica ganha relevância artística e social à medida que se projetam possibilidades de interpretação a respeito de dada realidade.
Pensa-se, portanto, que o uso das matrizes de linguagem conforme quer Santaella em seu matrizes de linguagem e pensamento: sonoro, visual e verbal (2001) no discurso cinematográfico, sobretudo, quando este é comparado ao outras alocuções, por exemplo, à literatura; tem-se assim um mecanismo de interpretação significativo no que se refere ao posicionamento de cada matriz nos espaços narrativos promovidos por cada um desses gêneros textuais.
Mediante esta questão, toma-se como referência para comparação e a análise as narrativas As ruas de casablanca (2000), de Nabil Ayouch e Capitães da areia (1967), de Jorge Amado, buscando nelas os elementos centrais que configuram a dramaticidade das obras, destacando assim os signos que compõem as “realidades” narradas em cada uma delas. Até por que, a temática de ambas as obras, embora tenha surgidas em momentos diferentes diz respeito à vida na sociedade contemporânea; o abando e violência a que são submetidos os meninos de rua no mundo inteiro, independentemente de suas origens religiosas.
Com isso, tomam-se o cinema e a literatura como instrumentos que ocupam lugares centrais na comunicação quando se refere à representação da realidade, possibilitando inclusive, a interpretação da história dos povos e, por conseguinte os seus costumes através dos quais são demonstrados culturas e identidades. Assim, não há dúvida de que os filmes e as obras literárias são ricos mecanismos para a compreensão de outros aspectos e de como as sociedades e outras instâncias os utilizam como meio de difusão de idéias e comportamentos até então não realizados pelo Estado. Nesse texto, serão destacadas as matrizes de linguagem que estruturam os discursos das obras já mencionadas anteriormente; narratividade, constituição das personagens, espaço e tempo da narração, etc.
A questão que orientará as discussões a seguir é a seguinte: Quais os pontos de confluência entre as narrativas As ruas de casablanca (2000), de Nabil Ayouch e Capitães da areia (1967), de Jorge Amado que podem ser analisadas sob o prisma da semiótica? Porém, antes de ir direto a esta resposta, faz-se necessário uma reflexão sobre o significado e importância do cinema para a sociedade. Para tanto, realizar-se-á uma incurssão pelos caminhos da narrativa e, sobretudo, do cinema, na tentativa de promover uma discussão clarificadora a respeito das matrizes de linguagem que asseguram a estética do gênero.
Sabe-se que a literatura e o cinema nos dão certamente alguns dos instrumentos mais eficazes para a compreensão dos processos culturais e ideológicos ocorridos em dados momentos numa dada sociedade, por isso analisar-se-á a relações entre as narrativas filmicas, destacando os princípios estéticos de cada uma delas. Sabe-se ainda que a narrativa literária representa algo para além da metafísica, porque é estrategicamente elaborada a partir de uma representação de um pensamento. Na mesma perspectiva encontra-se o cinema, entretanto, a narrativa cinematográfica tem sido amplamente recebida pelo espectador-leitor devido à hibridização da linguagem, isto é, no filme se justapõem as matrizes sonora, visual e verbal com objetivo de fornece elementos estéticos para a interpretação da temática proposta pela narração. Espera-se, portanto que ao longo dessa análise estes pontos sejam elucidados, facilitando assim a compreensão dos objetos em estudos, filmes.

Arte de representar o real
Em linhas gerais, diz-se que o filme é fruto de uma ordem físico-química, tendo sido reconhecido mais amplamente a partir do instante em que se verificou a disposição e retenção das imagens pelo olho humano no campo visual, tornando possível que as imagens fossem registradas em movimento com a percepção igual do olho humano, que viria a concretizar o desejo de muitos povos, registro do cotidiano em movimento, cores e sons. Para leite (2003, p.12) o primeiro fruto da invenção do cinema “foi a captação de cenas do cotidiano”, justapondo-se às outras artes de narrar o cotidiano, uma vez que até então os acontecimentos eram garantidos pelas narrativas históricas e literárias, bem como pela fotografia. “Com o cinematografo, o mundo natural e o mundo criado pelo homem poderiam ser fixados em imagens animadas e os primeiros filmes produzidos nada mais foram do que se poderia chamar de fotografias animadas” (Leite, 2001, p.12). Todavia, há de se lembrar que o filme tem sua essência na composição e estética narrativas e, portanto, este é um dos elementos que o liga à literatura.
Nesse contexto, inferi-se que o filme por ser um gênero narrativo agrega a si várias técnicas e linguagens, tornando-se hibrido por natureza e ação, uma vez que “o cinema é resultante do aperfeiçoamento da linguagem e técnica da pintura e da fotografia. Com isso, configura-se a premissa de que se trata de um discurso cuja hibridização dilui-se dando a entender que estamos diante de uma criação em que o real é transformado em mágica, pois se aglutinam matrizes sonoro, visual e verbal ao acontecimento a ser narrado.

Referências
NAZÁRIO, Luiz. As sombras móveis. Belo Horizonte, UFMG, 1999.
SANTAELLA, Lúcia. Matrizes da linguagem e pensamento: Sonora visual verbal. São Paulo: Iluminuras, 2001.
MACIEL, Kátia. Transcinema e a estética da interrupção. In. FATORELLI, Antônio. , BRUNO, Fernanda (orgs.) Limiares da imagem:tecnologia e estética na cultura contemporânea. Rio de Janeiro: MauadX, 2006, p. 71.
JAGUARIBE, Beatriz. Realismo sujo e experiência autobiográfica. In. FATORELLI, Antônio. , BRUNO, Fernanda (orgs.) Limiares da imagem:tecnologia e estética na cultura contemporânea. Rio de Janeiro: MauadX, 2006, p. 109.
TEIXEIRA, Francisco Elinaldo. Documentário moderno. In. MASCARELO, Fernando. História do cinema mundial. Campinas-SP, Papirus, 2006, p. 253.
FRANÇA, Andréa. Cinema de Terras e fronteiras. In. MASCARELO, Fernando. História do cinema mundial. Campinas-SP, Papirus, 2006, p. 395.

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