quinta-feira, 25 de novembro de 2010

“UM OUVIDO, POR UM OLHO”: DICOTOMIA ORALIDADE- ESCRITURA

 Enquanto a fala humana se constitui de sons, a escrita depende de sinais visuais. Lajolo; Zilberman, 2010, p. 50

A sociedade contemporânea tem nos dito e lembrado a todo instante por vários meios de comunicação de que somos sujeitos da cultura escrita e, por excelência, grafocêntricos. Entretanto, importa dizer que os maiores e mais emocionantes momentos de nossas vidas são expressos através da oralidade. Dizendo de outro modo, quando estamos muito felizes ou tristes expressamos oralmente nossas emoções por meio de gritos, choros e exclamações – que não comportaria nesse texto citá-las – mas, todos sabem como eles nos vêem à boca.
Dessa maneira, Zumthor (2010) sugere que a vocalização de palavras é, em si, um ato humano espontâneo, porque a voz constitui-se na exposição do acontecimento de modo a acompanhar o movimento corporal de seu enunciador; além do visual e do tátil conforme seria se tal expressão fosse veiculada pela escrita.

Por outro lado, se tem a discussão que aponta a escrita como responsável pelo enfraquecimento da dinâmica social do pensamento oral – Platão – uma vez que, os sentimentos fixados no papel impedem à dinamicidade de sua interpretação tal qual ocorreria quando de sua exposição verbal na praça pública.
Nesse contexto, Lajolo e Zilberman (2010) corroboram com essa discussão quando chama a atenção para o processo homogeneizante que a cultura da escrita assume sobre a oralidade, visto que a tradição popular que antes se mantinha na perspectiva de transmissão de saberes e conhecimentos “boca a boca” de geração a geração, agora precisa da reificação da escrita. [...] sacramentada pelo discurso da crítica – sempre escrito – que a tradição popular oral parece ganhar legitimidade, como se para ser reconhecido e valorizado, o mundo da voz precisasse da chancela letrada. (LAJOLO; ZILBERMAN, 2010, p. 44).
Histórico e culturalmente, a ideia da cultura escrita que sobrepôs à cultura de oralidade, se fundam em princípios civilizatórios impostos pelos europeus, uma vez que eles detinham a partir da tradição religiosa, o conhecimento dos dois códigos escrito e oral. Isto, sem dúvida, os diferenciava dos outros povos de cultura oral. Logo, considera-se que tal deferência feita à escrita ao longo de séculos de dominação só ampliou o domínio social, político, econômico e cultural dos que escreviam e liam sobre aqueles que não conheciam o mundo das letras e, permaneciam atuando no plano da comunicação oral.
Ainda que esta dicotomia seja uma realidade, há comunidades que, talvez por atraso sócio-econômico ou escolar e cultural tentam manter em seus costumes através da oralidade; principal tecnologia de transmissão do conhecimento. Não obstante a presença contínua de “oralidade secundária” via mídia massa tente-se fortalecer esses traços distintivos, Lajolo e Zilberman (2010) afirma que em tais contextos é perceptível que “escrita e oralidade comunicam-se, entrelaçam-se, misturam-se. Imbricam-se, fundem-se; afastam-se, reaproximam-se, reafastam-se. Sobrepõem em um incansável e sempre renovado modo de ser.” (LAJOLO; ZILBERMAN, 2010, p. 45).
As autoras mostram ao longo de suas teses, exemplos retirados de literaturas regionais, nos quais os interlocutores, mesmo que distintos social e culturalmente, trocam experiências por meio da oralidade, todavia, há sempre aquele que ver no registro escrito de algo que chama a atenção ambos na conversação como sendo necessário, prevalecendo assim, o olho sobre o ouvido. Vale ressaltar aqui, como essas questões se articularam muito bem na microsserie global, Hoje é dia de Maria na qual se compilaram falas da cultura popular, fazendo modificações semânticas e pragmáticas na escrita.
Para Lajolo e Zilberman (2010) isto equivale à ideia de que a escrita está carregada de nuances, isto é, a pontuação se encarrega de articular o ritmo da leitura do texto escrito “Um dos domínios nos quais, com maior clareza, escrita e leitura rendem vassalagem à fala é a pontuação” (Lajolo; Zilberman, 2010, p. 50).
No contexto de comunicação face a face, na qual o interlocutor faz uso de estratagemas presentes na oralização, tentando diminuir as suspeições que pairam sobre a fala. Já no que diz respeito à produção oral, a enunciação, graças à voz tem valor moral na comunidade de tradição popular, porém para ela ganhar ar de verdade e ser respeitar é fundamental que seja escrita. “escreve ai o que lhe digo e verás que é verdade”. Zumthor (2010) corrobora com essa ideia ao defender que também na oralidade se realiza consciência linguística, porque nela expressam-se pensamentos míticos e religiosos através da oralização desses saberes.
Por fim, na cultura contemporânea em que se vive hoje, a escrita sobrepõe a oralidade a tal ponto, que reclama para si a todo instante, o reconhecimento de técnica comunicacional e expressiva humana de caráter superior à tradição oral. Todavia, há gêneros que requerem, no mínimo uma equalização, sendo esta uma escolha ideológica do enunciador. Para além dos exemplos clássicos de literatura citados pelas autoras, cita-se, sem querer compara as qualidades estilística e poética de Rosa, Lobato, claro; na peça Marido a preço da China, de minha autoria, na qual os personagens Côca e Damião dialogam através de uma escrita oralizada, pois se manteve na escrita de tal gênero, os princípios da escrita da oralidade no presente no labor com o cordel e a literatura populares.

Bibliografias:
LAJOLO, Marisa. ZILBERMAN. A oralidade visita a escrita. In. LAJOLO, Marisa. ZILBERMAN.Das tábuas da lei à tela do computador: a leitura em seus discursos. 1. ed. São Paulo: Ática, 2009, pp. 43-55.
ZUMTHOR, Paul. Introdução à poesia oral. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2010.

4 comentários:

Unknown disse...

Robério, adorei ler esse artigo, principalmente pelo fato de que sempre acreditei que o som prevalece sobre a escrita. Aliás, nem vale a pena citar Adorno, Schopenhauer, entre outros pensadores que consideraram o som como o elemento fundamental da socialização humana. Se lançarmos um olhar sobre a história humana, veremos que ele lá está, ocupando um lugar privilegiado na evolução. Acho que vai ser preciso: como diria Schopenhauer, a música (som) é a arte suprema.

Anônimo disse...

O colega Milton tem razão, o texto está muito bom mesmo. Até porque isso é resultado de Robério fazer parte de uma cultura de escrita e como tal tem demonstrado muitas habilidades com esta tecnologia intelectual. Mesmo assim sinto falta das poesias... rsrsrs que houve?

Anônimo disse...

eita nois!Cada um puxando o saco do poeta da solidão. Assim não terá lugar para mais um. Se é assim a vai uma crítica, poderia ter expandido mais o diálogo em esse tal de Zumthor e as autoras. Pelo que parece e pesquisei Zumthor esta focado no plano total da oralidade da literatura oral. Ae s era pra deixar gnt com gosto pela leitura, vou tentar achar esses material... Ihhh nem puxei o sacokkkkkkkkkkkkkkkkkkkk

Anônimo disse...

Professor, lendo seu blog percebi que nesse texto tem algo que me remeteu ao pensamento de Gaston Barchelar, quando este coloca em suas teses sobre os fenômenos das consciências a perspectiva de que haverá imagens provocadas pela oralidade, visto que essa tem uma séria de provocações de para a mente, uma vez que o imaginário é provacado por palavras que, na maioria da vezes se articula pelos sons das palavras.