quinta-feira, 19 de julho de 2007

"O PASSATEMPO DO TEMPO PASSADO"

Este ensaio tem como desígnio explicar a ordem do discurso “misto” – literário e historiográfico de Irecê a saga dos migrantes e historias de sucesso (2004), de Jackson Rubem, uma vez que, a obra é uma compilação de memórias orais, na qual se destacam as reminiscências dos migrantes, mais especificamente, paraibanos.
Por questão didática, adota-se a idéia de que a literatura e a história usam o mesmo subsídio para sua construção, isto é, ambas obtém seus instrumentos de combate a partir da verossimilhança. Portanto, “interpretar a experiência, com objetivo de orientar e elevar o homem” (Nye, 1966, p.123 apud Hutcheon 1991, p. 141) é a linha que orienta os relatos da obra em questão, pois o autor se debruça sobre os fatos e sublima “estórias” e famílias de migrantes paraibanos.
Numa tentativa de classificação, considerar-se, pois, que Irecê a saga dos migrantes é uma “metaficção historiográfica” a qual segundo Linda Hutcheon (1991) tem se apresentado numa espécie de romance, porque é através deste tipo de escritura que se imortaliza o passado que por alguma razão não foi considerado pela história oficial. Neste caso existe na obra em estudos um vínculo tênue entre história e narrativa literária. Entretanto, esta última esteticamente é bastante discutível no que se refere a sua qualidade artística. Por outro lado, quando vista sob o prisma do registro historiográfico, o livro analisado é de grande valia, uma vez que “toda história é uma história de alguma entidade que existiu durante um considerável período de tempo, e que o historiador quer afirmar o que é literalmente verdadeiro a seu respeito num sentido que faz distinção entre o historiador e um contador de estórias fictícias ou mentirosas. (M. White, 1963, p.4 apud Hutcheon 1991, p. 141).
Em sendo um contador de causos, Jackson Rubem certamente silenciou ou enalteceu discursos, os quais estão narrados na primeira parte do livro. Observa-se, pois, nesta parte da narrativa sua pretensão historiográfica, visto que o autor faz releituras de acontecimentos ocorridos na região, destacando os migrantes como protagonistas.
Pode-se ver a intenção do autor em relatar os feitos nada ortodoxos de uma família de migrantes, quando esta se dirigia à Irecê. Segundo o cronista, foi às margens do Rio São Francisco que (lembrem-se, pois, que mesmo no começo do século a ação à se citada a seguir, constitui-se contrária à legislação do país). Então, transcrevemo-la:
“Vicente tomou a dianteira e perguntou ao dono da fazenda, por quanto ele vendia um daqueles animais. Disse que estavam famintos, sofrendo bastante, mas o dono da fazenda não se importou com o sofrimento deles e disse que seus animais não estavam a (sic) venda. ‘Vicente, que era o mais brabo (sic) de todos, gritou: “traga o cravinote! De fome é que a gente não vai morrer.’”RUBEM, 2004, p.17).
Iguais esta passagem várias ilustram a obra. É interessante a tendência da interpretação dos relatos por parte do escriba, uma vez que ele parece submergir no ambiente da narrativa. Confira no excerto: “(...) Vicente caminhou alguns passos, aproximou-se de um boi gordo, apontou a arma para a cabeça e disparou, matando o animal na hora.” RUBEM, 2004, p.17).
Já segunda parte do livro, à qual o autor sugere no prefácio ser outro livro, é na verdade uma coluna social, pois, ali há mera exposição de figuras (dispensa-se qualquer juízo). Assim sendo, fica perceptível a acriticidade da obra.
Ver-se, portanto, o esforço do autor por meio de sua versão das estórias, transforma a multíplice significação da diáspora nordestina em fragmentos da história. Para tanto, fundamenta-se na subjetividade dos relatos orais que lhes foram contadas por aqueles que, de uma forma ou de outra sobreviveram e, com um golpe de sorte conseguiram se firmar.
Para Hutcheon (1991, p. 210-211) O poder subjetivo da narrativa oral é totalizante, levando à crença de que ao transformá-la em escrita, constitui-se história. Entretanto, é sabido que isto não se aplica à obra: Irecê a saga dos migrantes e historias de sucesso porque há vários hiatos no que se refere à estrutura da narrativa: ordem do discurso e metalinguagem. Por fim, esta metaficção historiográfica traz de maneira subliminar elementos da pós-modernidade, isto é, diante de uma crise de identidade, certos indivíduos ou grupos buscam o resgate e reificação de seu passado.
Bibliografias

HUTCHEON, Linda. Poética do Pós-modernismo: história, teoria, ficção. Rio de Janeiro: Imago Ed., 1991.
RUBEM, Jackson. Irecê a saga dos migrantes: histórias de sucesso. Irecê [BA], Print Fox, 2004.

Um comentário:

Jackson Rubem disse...

Olá Robério,

Seu talento para ensinar, escrever poesias e fazer sublimes resenhas literárias são surpreendentes. Sinto-me honrado pelo comentário que fez acerca do meu livro "Irecê, a Saga dos Imigrantes". Serviu até como uma injeção de ânimo para eu lançar a segunda edição e consertar os pequenos erros (sic), citado por você.
Grande abraço,
Jackson Rubem